Musicoterapia, quando a música ajuda a curar
Uma terapia que explora as complexidades do som prevenindo, reabilitando e tratando inúmeras condições debilitantes do corpo humano. Na musicoterapia, o som é transformado em medicamento.
Todos nós usamos a música como terapia mesmo que sem intenção. Ligamos o rádio com música energética para aspirar a casa, cantamos ao som do rádio enquanto conduzimos, embalamos as crianças em música calma para os adormecer. A música dá-nos contexto, seja num bar com chillout, techno numa discoteca, e até mesmo música pré-escolar no infantário dos filhos, a música dá-nos tom à vida.
A Federação Mundial de Musicoterapia define musicoterapia como “o uso profissional da música e dos seus elementos como intervenção em contextos médicos, educativos e sociais, com indivíduos, grupos, famílias e comunidades, que procuram melhorar o seu bem-estar físico, social, comunicativo, emocional, intelectual, espiritual e a sua qualidade de vida”.
Este tipo de terapia usa os elementos da música como o som, ritmo, melodia e harmonia para estimular capacidades físicas, emocionais, mentais, sociais e cognitivas com o objetivo de desenvolver, potenciar ou restabelecer funções do corpo proporcionando consequentemente uma melhor qualidade de vida.
Para entendermos a musicoterapia temos também de entender o que é música, o que constitui a música, o que nos afeta e como nos toca. Em termos simples, música é som, ritmo e melodia. O som é vibração e a vibração é movimento. Estes são os pontos-chave quando tentamos compreender a relação da música com o corpo.
Estamos organicamente programados para responder a estas 3 situações – ritmo, melodia e vibração. O ritmo está presente no nosso organismo no ritmo cardíaco, na respiração, no piscar dos olhos, entre outros, sendo fácil e até natural respondermos de imediato, até involuntariamente, ao ritmo de uma música, assim como também somos sensíveis às vibrações e à melodia que nos trazem movimento e estímulos orgânicos distintos.
As próprias frequências biológicas do corpo foram fundamentais para as noções de tempo e para o desenvolvimento das artes relacionadas com tempo (como a música, poesia e dança). Ao compreendermos como nos afeta o som, compreendemos também como a música pode ser uma forma de comunicação que é transversal ao físico, emocional e psicológico. Um conceito chave nas terapias que usam a música como tratamento.
A música torna-se um elo de ligação entre terapeuta e doente, um meio de expressão alternativo à fala que permite maior alcance de expressão e mesmo de resposta emocional da parte do paciente.
“Antes da intervenção, o musicoterapeuta deverá proceder à recolha dos dados pessoais da pessoa que importam, sobretudo informação clínica quanto aos problemas de saúde que apresentam, o seu estado mental, a personalidade, assim como as canções ou melodias de preferência”, explica-nos a musicoterapeuta Helena Sousa.
O processo da musicoterapia pode desenvolver-se de acordo com vários métodos: o método recetivo, quando o terapeuta toca música para o paciente, sendo este tipo de sessão normalmente direcionada a pacientes com grandes dificuldades motoras; e o método ativo, usado na maior parte dos casos, ou seja, o próprio paciente toca os instrumentos musicais, canta, dança ou realiza outras atividades junto com o terapeuta.
A forma como o musicoterapeuta interage com os pacientes depende dos objetivos do trabalho e dos métodos que ele utiliza. Em alguns casos as sessões são gravadas e o terapeuta realiza improvisações ou composições sobre os temas apresentados pelo paciente.
Alguns musicoterapeutas procuram interpretar musicalmente a música produzida durante a sessão. Outros preferem métodos que utilizem apenas a improvisação sem a necessidade de interpretação. Os objetivos da produção durante uma sessão de musicoterapia são não-musicais, por isso não é necessário que o paciente possua nenhum treinamento musical para que possa participar deste tratamento.
O musicoterapeuta, por outro lado, devido às habilidades necessárias à condução do processo terapêutico, precisa ter proficiência em diversos instrumentos musicais. Os mais usados são a viola, o piano e instrumentos de percussão.
Desde bem cedo na história da humanidade que se usa a música como terapia, os registos mais recentemente encontrados documentam técnicas de musicoterapia mencionadas nas obras de filósofos gregos pré-socráticos, ou seja, há mais de 2500 anos.
O uso profissional da música na vertente terapêutica surge durante a Segunda Guerra Mundial, quando a música passou a ser utilizada com fins terapêuticos na reabilitação e recuperação dos soldados que sofriam de distúrbios mentais e traumas de guerra. Os impressionantes resultados fizeram crescer a curiosidade e, ainda durante a guerra, começaram os estudos sobre os efeitos terapêuticos da música, sendo inaugurado o primeiro curso de musicoterapia, em 1944, na Michigan State University, imediatamente seguido de outros em Inglaterra, Áustria, França, Itália e Espanha. Em 1950 foi fundada a Associação Nacional para Terapia Musical nos EUA.
A musicoterapia chegou recentemente a Portugal, mas é ainda pouco reconhecida pela comunidade médica, sendo um dos objetivos dos profissionais musicoterapeutas o esclarecimento sobre as práticas, desmistificando e elucidando sobre as vantagens e métodos da terapia.
Os esforços da Associação Portuguesa de Musicoterapia (APM) já proporcionaram a abertura de cursos de especialização de nível universitário para que a profissão de musicoterapeuta seja reconhecida. “Considerando que haja ceticismo por parte da medicina convencional, será por várias razões e não só por uma; entre elas, possivelmente o desconhecimento sobre o que é a Musicoterapia, sua ação terapêutica, desconhecimento da sua eficiência e da cientificidade dos seus métodos”, afirma a musicoterapeuta.
Quem canta seus males espanta
São muitas as condições que podem beneficiar com a aplicação de musicoterapia:
– Pode auxiliar doentes depressivos e com traumas emocionais e atuar como forma de relaxamento. As vibrações do som atravessam a barreira física, psicológica e emocional, permitindo ao corpo relaxar e reduzir bastante os níveis de ansiedade. É também possível encontrar problemas e medos ocultos através da interação com a música, esta permite expressar sentimentos de forma quase impercetível, sendo a música o meio de expressão alternativo à fala.
– Também os doentes com sintomas de Alzheimer ou outras demências podem beneficiar desta terapia, já que os auxilia na reorganização mental, cognitiva, afetiva e corporal oferecendo ao paciente uma forma alternativa de comunicar e possibilitando o contato com as memórias.
– Na doença de Parkinson a musicoterapia atua como estimulante físico acima de tudo o resto. O ritmo e a vibração permitem ao corpo atingir uma certa sincronia e, em conjunto com a fisioterapia, reabilitar a função motora através da sensação rítmica tanto do corpo como da música. “Com bastante frequência ao cantar uma canção ou fazer cantos rítmicos [o paciente com Parkinson] é capaz de dar o primeiro passo e, posteriormente, estabelecer a ondulação corporal essencial para manter o ritmo do caminhar”, explica a musicoterapeuta.
– No autismo, a música pode ser usada até como forma de diagnóstico de certos aspetos do envolvimento empático. Como tratamento, além de estimular determinadas partes do cérebro, serve ainda como elo de ligação com o terapeuta. Através da música o paciente autista consegue estabelecer ligação e comunicar com outros de forma passiva mas confortável.
Considerada por Benezon, investigador e co-fundador da Federação Mundial de Musicoterapia, como a técnica em saúde que mais atenta à totalidade do indivíduo, os seus efeitos poderão parecer mínimos mas dentro do contexto certo são bastante significativos.
Para ninguém é segredo que a música com facilidade nos afeta, traz-nos energia, lembranças, vontades e nostalgia.
Na musicoterapia, o terapeuta usa o natural estimulo musical direcionando os benefícios do ritmo e harmonia de sons ao problema em questão, deixando que graciosamente a música nos movimente corpo e mente.
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