A insuficiência cardíaca na gravidez
O caso de Ana Quando Ana se encontrava grávida pela quarta vez, julgava que já sabia algumas coisas sobre a gravidez. No entanto, desta vez, nas últimas semanas antes do parto as coisas pareciam diferentes. Nas outras gravidezes nunca se tinha sentido tão cansada, com falta de ar e “inchada”, como desta vez.
“Sentia-me cansada durante todo o dia, parecia que já acordava cansada. E à noite era muito difícil dormir deitada. Passava as noites num sofá que tenho no quarto”.
Após o parto de uma criança saudável (“a Joaninha pesava 3 Kg e 600g e era mais cabeluda do que as irmãs”), as queixas de Ana não melhoraram, pelo contrário a dificuldade em respirar piorou e o inchaço não desapareceu.
Quando efetuou uma ecografia do coração (ecocardiograma), o cardiologista disse-lhe que o seu coração apenas conseguia bombear 15% do sangue, quando o normal seria de 60%.
Nessa altura, teve que ser internada no Serviço de Cardiologia, com o diagnóstico de uma forma relativamente rara e de causas ainda pouco conhecidas de insuficiência cardíaca, que se chama miocardiopatia dilatada peri-parto.
Se uma mulher já teve insuficiência cardíaca durante a gravidez, não deve voltar a engravidar, porque o risco de voltar a ter a doença é excessivamente elevado
A insuficiência Cardíaca é difícil de diagnosticar
Nesta doença, o coração não consegue bombear o sangue com a força suficiente, porque o músculo das câmaras do coração se encontra muito esticado (dilatado) e enfraquecido.
As mulheres grávidas com insuficiência cardíaca, queixam-se muitas vezes ao seu médico de que estão com falta de ar, têm as pernas inchadas e que se sentem cansadas, o que é o mesmo tipo de queixas que muitas grávidas saudáveis também têm nas fases mais avançadas da gravidez.
Contudo, com as técnicas que hoje em dia os cardiologistas dispõem, o diagnóstico torna-se mais fácil quando se recorre a alguns exames complementares.
Isto porque, para se diagnosticar esta doença não basta a presença de sintomas (porque como se disse anteriormente, estes sintomas são muito pouco específicos, ou seja, são comuns a algumas situações normais e a doenças de muitas causas diferentes); é necessário que se demonstre a presença de diminuição da capacidade do coração em bombear o sangue (disfunção ventricular esquerda na linguagem médica).
Acresce a estes fatores um outro, que é a relativa raridade desta doença nas mulheres grávidas, sendo uma doença que afeta pessoas anteriormente saudáveis e que surge apenas no último mês de gravidez ou nos primeiros meses após o parto.
Um outro aspeto desta doença que é difícil de prever, é a sua evolução e os resultados futuros (aquilo a que nós médicos chamamos de prognóstico da doença), isto porque não existem estudos ou registos suficientemente amplos e com a informação suficiente.
No entanto, os dados mais recentes apontam para uma recuperação em cerca de metade das mulheres com esta doença, sendo que 30% se mantêm em insuficiência cardíaca crónica e 10% evoluem para as formas mais graves da doença (em alguns casos com necessidade de transplante cardíaco ou com morte).
Deve-se destacar um grupo especial de mulheres grávidas, que são as que possuem defeitos cardíacos congénitos (anomalias da estrutura do coração, que se apresentam desde a nascença), nas quais o risco de desenvolvimento de insuficiência cardíaca é bastante maior do que na população geral.
Isto deve-se ao facto de a gravidez, colocar uma sobrecarga de trabalho sobre o coração, uma vez que aquele órgão tem que trabalhar com maior energia, para bombear mais 30 a 50% da quantidade normal de sangue, para fornecer oxigénio ao feto.
Ou seja, este maior stresse sobre o coração pode não ser bem tolerado pelas mulheres que já têm certos defeitos cardíacos desde o nascimento.
“A insuficiência cardíaca durante a gravidez continua a ser uma doença de grande gravidade”
Como é que se pode prevenir a insuficiência cardíaca durante a gravidez?
A melhor forma de minimizar o risco é o controlo dos fatores de risco mais importantes, que são a hipertensão arterial, a diabetes, a obesidade e a doença cardíaca previamente conhecida.
Por exemplo, se uma mulher já tiver a tensão arterial alta, deve conversar com o seu médico quando planear engravidar e esforçar-se por controlar os valores da pressão arterial e não engordar.
As mulheres que já têm doenças cardíacas conhecidas, devem aconselhar-se com o seu cardiologista, sobre os riscos da gravidez na sua situação particular, dependendo o risco do tipo e da gravidade da doença cardíaca, do tipo de medicação que precisam de efetuar ou do tipo de correção prévia dessa mesma doença.
Se uma mulher já teve insuficiência cardíaca durante a gravidez, não deve voltar a engravidar, porque o risco de voltar a ter a doença é excessivamente elevado.
Atualmente existem alternativas terapêuticas que têm permitido melhorias significativas na qualidade de vida destas doentes
Qual é o tratamento?
Dada a gravidade desta doença, habitualmente há a necessidade de se efetuar tratamento agressivo com diversos medicamentos e alteração do estilo de vida.
Em alguns casos e se certas características estiverem reunidas (a presença de alterações da condução elétrica cardíaca, tratamento medicamentoso já otimizado, etc), pode efetuar-se a implantação de um dispositivo eletrónico especial, para se efetuar terapêutica de ressincronização cardíaca, que se chama desfibrilhador ressincronizador.
A implantação deste tipo de equipamento, envolve a necessidade de uma intervenção cirúrgica de pequena dimensão, para se colocar o gerador e as sondas que vão estimular o coração, na região do tórax abaixo da clavícula e acima (ou por trás) da mama.
Atualmente, estes aparelhos têm características técnicas muitos sofisticadas que permitem, inclusivamente, a avaliação da situação hemodinâmica (a forma como o organismo gere a circulação do sangue).
É o caso de um aparelho que já está em utilização no nosso país, que se designa SonR (Sorin Group) e que automaticamente – todas as semanas – ajusta os seus parâmetros, de forma a que as doentes venham a ter o maior benefício possível.
Nos casos em que nenhuma destas terapêuticas venha a resultar, resta a alternativa do transplante cardíaco, que apenas se encontra indicado em situações particulares.
“Dada a gravidade desta doença, habitualmente há a necessidade de se efetuar tratamento agressivo com diversos medicamentos e alteração do estilo de vida”
Conclusão final:
Atualmente existem alternativas terapêuticas que têm permitido melhorias significativas na qualidade de vida destas doentes, mas a insuficiência cardíaca durante a gravidez continua a ser uma doença de grande gravidade.
Em todas as mulheres, é fundamental um acompanhamento correto e regular pelo seu médico de família ou ginecologista/obstetra, para a correção dos fatores de risco, para a prevenção do desenvolvimento ou para a deteção precoce da insuficiência cardíaca.
Em alguns casos específicos pode ser necessária a avaliação pelo cardiologista, particularmente nos casos de mulheres com doenças cardíacas de nascença ou quando são necessários tratamentos mais específicos.
A gravidez coloca uma sobrecarga de trabalho sobre o coração, uma vez que aquele órgão tem que trabalhar com maior energia, para bombear mais 30 a 50% da quantidade normal de sangue, para fornecer oxigénio ao feto.
Fonte: Dr. Pedro Silva Cunha, Laboratório de Electrofisiologia e Pacing, Serviço de Cardiologia, Hospital de Santa Marta. Unidade de Arritmias,Departamento Cardiovascular, Hospital dos Lusíadas.
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