Tricotilomania, a “mania” de arrancar cabelos
Há pessoas para quem puxar ou arrancar cabelo é um hábito compulsivo, ao qual não conseguem resistir. Saiba mais sobre a tricotilomania, um distúrbio que geralmente surge como forma de controlar o stress e a ansiedade.
O nome é difícil e algo estranho, mas os seus sintomas são conhecidos por algumas pessoas. Tricotilomania é um distúrbio que se manifesta no desejo incontrolável de arrancar os próprios cabelos ou os pelos do corpo de forma crónica e compulsiva. O couro cabeludo, as sobrancelhas e as pestanas são os alvos mais frequentes desta doença, que se encontra enquadrada no grupo das perturbações do controlo dos impulsos, mas também se pode puxar pelos de outras zonas do corpo.
Parece impensável que uma pessoa arranque os seus cabelos diariamente, às vezes durante horas, até deixar peladas no couro cabeludo. Mas é isso que acontece com quem sofre deste distúrbio. As pessoas têm um impulso irresistível de arrancar os cabelos ou pelos do próprio corpo, na tentativa de controlar estados de nervosismo, ansiedade ou depressão, e sentem prazer com isso. Este desejo surge geralmente na infância ou adolescência, podendo prolongar-se ao longo da vida, e acomete mais as mulheres do que os homens.
Emanuel Santos, psiquiatra, revela-nos que “as pessoas que padecem de tricotilomania arrancam de forma recorrente cabelo como um comportamento de resposta a uma sensação de tensão interior crescente e a um impulso irresistível. Quando tentam resistir a esse comportamento, essa sensação de tensão interior aumenta ainda mais”. Segundo o psiquiatra, o ato de arrancar o cabelo ajuda a aliviar essa tensão e ansiedade, ao mesmo tempo que gera gratificação e prazer.
Mas quem nos pode explicar na primeira pessoa o que é viver com este distúrbio é Ana Pinto Lopes, de 29 anos. Os sintomas da tricotilomania apareceram por volta dos 11 anos após o falecimento da sua bisavô, com quem mantinha uma forte ligação. Ana lembra que começou “a sentir um formigueiro no couro cabeludo, nas alturas de maior ansiedade, que só atenuava quando arrancava fios de cabelo. Primeiro começou por um ou dois fios, mas depressa passou para 10-12 fios”.
Como Ana nos conta, o arranque do cabelo é um ato solitário, mas que dá prazer. Primeiro porque não dói, depois porque alivia o formigueiro ou a comichão no couro cabeludo. No entanto, todo o prazer e autossatisfação que possa advir deste comportamento “é automaticamente destruído a partir do momento em que confronto o espelho. É nessa altura que se apodera de mim um sentimento de culpa e uma raiva terrível!”, confessa Ana Pinto Lopes.
Um ritual com regras definidas
Muitas vezes quem sofre deste problema começa por arrancar apenas um ou dois cabelos, como aconteceu com Ana, mas rapidamente passa a arrancar maiores quantidades de uma vez só, provocando grandes falhas no couro cabeludo. E todo o ato está envolto num ritual, consoante os critérios de cada pessoa: uns arrancam os fios de acordo com a cor, outros com a textura, outros com o tamanho e outros puxam-nos de forma inconsciente e aleatória.
Ana Pinto Lopes explica-nos que, no seu caso, sempre arrancou os cabelos de acordo com a textura, ou seja, procurando eliminar os fios mais crespos. “No entanto, após estar sempre a massacrar a mesma área, alguns fios de cabelo começaram a perder a pigmentação e começaram a nascer brancos. A partir desse momento arrancar os brancos passou a ser o meu critério número 2”, lembra. E quando conseguia erradicar um fio que reunisse ambas as características – branco e crespo – “apoderava-se de mim um súbito momento de glória mas que, passados breves momentos, já não tinha importância nenhuma”, acrescenta.
Também é comum que estas pessoas brinquem com os fios arrancados, observando a sua raiz, passando-os nos lábios, mordendo-os e “em cerca de 20 por cento dos casos chegam mesmo a comê-lo (tricofagia), podendo, em casos raros, desenvolver tricobezoares (acumulação de cabelos no aparelho digestivo que pode causar obstruções intestinais e infeções graves que, por sua vez, podem levar à morte)”, alerta o psiquiatra.
A intensidade das crises de tricotilomania pode variar e não é raro que a pessoa apresente outros comportamentos compulsivos normalmente associados a estados de ansiedade, como roer as unhas ou arrancar cutículas. “Geralmente, é uma perturbação crónica com flutuação dos sintomas ao longo da vida. A frequência com que o indivíduo arranca o cabelo oscila, podendo-se intensificar em períodos da vida emocionalmente mais difíceis”, revela Emanuel Santos.
Assim, há quem só arranque cabelos após eventos stressantes, podendo ter períodos longos em que a perturbação não se manifesta, e quem arranque cabelos em momentos de descontração, quando estão mais quietos, a ler, a ver televisão ou até mesmo a conduzir.
Stress e ansiedade desencadeiam sintomas de tricotilomania!
As causas que podem originar este distúrbio permanecem desconhecidas. Tal como sucede com a maioria das doenças mentais, a sua origem é multifatorial e, por isso, fatores biológicos, psicológicos e sociais são considerados desencadeantes. Contudo, Emanuel Santos sublinha que há evidências de que algumas pessoas “já nascem com uma determinada vulnerabilidade biológica que não lhes permite regular tão bem os estados em que a tensão psíquica e a ansiedade aumentam, desenvolvendo assim respostas comportamentais que são adaptativas em termos imediatos mas que passam a ser desadaptativas e a causar sofrimento e culpabilidade a longo prazo”.
Apesar de não se conhecerem as causas e de não existir uma associação direta a fatores de ansiedade e eventos traumáticos, “acontecimentos de vida stressantes ou negativos, tais como, mudança de casa, divórcio, dificuldades escolares, falecimento de uma pessoa significativa, instabilidade num relacionamento amoroso, podem precipitar os sintomas ou agravá-los”, acrescenta o psiquiatra.
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