O que é que eu tenho, Dr. Google?
Aos “velhos” hipocondríacos juntou-se agora nova “espécie” que o mundo digital ajudou a criar: os cibercondríacos. Há distância de um click têm informação sobre milhões de patologias, exames de diagnóstico, princípios ativos e respetivos efeitos secundários… Pesquisam para parar de se sentirem ansiosos em relação a certos sintomas, mas a pesquisa só os enerva mais. E, por vezes, a solução para muitos sintomas e doenças é apenas parar de pesquisar sobre elas.
Pode ser uma pesquisa tão simples como esta: “dor de estômago”, um sintoma frequente e quase sempre inofensivo. Em 0,35 segundos, o Google devolve-lhe cerca 2 milhões e 380 mil resultados. Entre os conselhos clássicos (beber chá de camomila) e outros menos ortodoxos (comer torradas queimadas), lá vamos descobrindo tudo aquilo que a nossa dor de estômago pode querer dizer. A saber: refluxo, gastrite, úlcera, pancreatite, colecistite, intoxicação alimentar, gases no estômago, enfarte, gravidez, stress, gripe estomacal, intolerância alimentar, apendicite, aneurisma da aorta abdominal, bloqueio ou obstrução intestinal, doença de Crohn, diverticulite, cálculos renais, cancro de estômago ou cancro do cólon.
Tanto por onde escolher! O que há dois minutos atrás era só uma dor de estômago, agora já pode ser enfarte ou cancro. O “antigo” hipocondríaco levava anos a acumular informações sobre doenças através da leitura de bulas de medicamentos, livros das Selecções do Reader’s Digest e consultas médicas, o “novo” tem ao seu dispor o rápido e vasto mundo da internet para dar asas às suas preocupações. E este novo hipocontríaco hi-tech já foi batizado: cibercondríaco.
Anda matutar se a dor de garganta que já dura há mais de uma semana valerá a pena uma ida ao médico? Ou mesmo o que é que poderá querer dizer o facto de ter tido tremores no olho no últimos dias? Se usa a internet para esclarecer estas e outras dúvidas, saiba que faz parte de uma maioria. Com ligeiras oscilações entre países, as estatísticas apontam para que entre 60 a 80 por cento dos utilizadores da internet façam o mesmo: usá-la para tentar esclarecer dúvidas no que respeita a questões de saúde. E isso, naturalmente, não faz de cada um destes indivíduos cibercondríacos.
A cibercondria é definida pelo comportamento de pesquisas repetidas na internet, em relação a informações de saúde, que são motivadas pela tentativa de redução da ansiedade em relação à própria saúde, mas só a amplificam. Assim, está associada ao grande aumento de ansiedade com a saúde como um resultado direto de uma pesquisa de informação médica na internet.
Qualquer sintoma lhe vai gerar milhões de resultados e a ordem de relevância pela qual lhe são apresentados não é necessariamente a melhor. Além disso, muitas vezes os sites acabam por ter informação incompleta e mesmo contraditória, pois aquilo que começa por ser uma pesquisa sobre um sintoma comum e inócuo acaba por ir parar a pesquisas que envolvem doenças raras e graves. E tudo isto junto pode resultar numa receita explosiva.
Thomas Fergus, investigador e professor da Baylor University, relacionou o aumento de ansiedade em relação à saúde depois de pesquisas online com os níveis de intolerância à incerteza do indivíduo. Em entrevista, o investigador explicou que as pessoas com intolerância à incerteza podem, genericamente, ser descritas como indivíduos que temem o desconhecido. Assim, “tendem a achar as situações ambíguas altamente angustiantes e, normalmente respondem a essa perceção de ameaça com elevada ansiedade.”
Como nos esclarece o investigador, estas dificuldades de tolerância à incerteza estendem-se a vários aspetos da vida da pessoa, incluindo tanto o mundo online como offline. Mas procurar informações médicas na internet tem o potencial de levar a maiores níveis de ansiedade: “múltiplas possibilidades médicas – algumas das quais são de natureza catastrófica – normalmente são apresentadas em resposta a pesquisas na internet relativas a preocupações médicas. Para as pessoas que não gostam do desconhecido, ler sobre a possibilidade de ter uma condição médica potencialmente grave pode ser altamente provocador de ansiedade”, esclarece-nos Thomas Fergus.
Hipocondríacos VS cibercondríacos
O psiquiatra Cláudio Moraes Sarmento refere que, da sua experiência, de um modo geral, os hipocondríacos até evitam a internet, precisamente pelos elevados níveis de ansiedade que desenvolvem e com os quais é insuportável lidar. O psiquiatra afirma que é mais frequente os pacientes que sofrem desta condição “lerem todas as bulas de qualquer medicamento prescrito, de fio a pavio, e depois sentirem todos os efeitos possíveis e imaginários.”
Outro aspeto importante referido pelo psiquiatra é que, muitas vezes, a hipocondria é um sintoma e não a doença em si. Ou seja, um doente deprimido e ansioso pode ter sintomas hipocondríacos muito frequentemente. Já os hipocondríacos ‘puros’ não procuram ajuda psiquiátrica porque não veem as suas preocupações como sendo doença mas como reais.
Da mesma forma, nenhum hipocondríaco precisa da internet para o ser: a hipocondria é classificada como um distúrbio de ansiedade que define alguém que tem medo de ter doenças e interpreta qualquer sinal ou sintoma como fazendo parte de um quadro mais grave. E, nessa medida, frisa o psiquiatra, nem é algo de novo, nem é a internet que “produz” esta doença. “Pouco importa o meio que usa, se literatura física, se internet ou apenas as opiniões dos outros”, remata Cláudio Moraes Sarmento.
Os cibercondríacos, nessa medida, não são pessoas que sofrem de hipocondria, mas antes pessoas que pesquisam repetidamente informação médica online para tentarem tranquilizar-se acerca de algum sintoma, mas às quais essas mesmas pesquisas produzem uma maior ansiedade que perpetua o comportamento em busca.
O psicólogo Thomas Fergus afirma que, nesses casos, “é sensato reconsiderar a utilidade da busca de informações médicas na internet e, para quem se encontre preocupado com sua saúde após pesquisas, consultar o seu médico pode ser útil na redução dessas preocupações.” Além disso, o especialista afirma que para os indivíduos para os quais a preocupação se mantenha, mesmo depois de o médico lhe afirmar que não há motivo para tal, pode ser benéfica a assistência de outros profissionais, por exemplo, psicólogos que pratiquem terapia cognitivo-comportamental.
Por isso já sabe: se dá por si a fazer pesquisas que o deixam nervoso e que o fazem continuar a pesquisar ainda mais. O melhor remédio é mesmo parar e agendar consulta com o seu médico de família.
Fontes:
– Thomas Fergus, Professor Assistente no Departamento de Psicologia e Neurociência da Baylor University, autor do estudo Cyberchondria and Intolerance of Uncertainty: Examining When Individuals Experience Health Anxiety in Response to Internet Searches for Medical Information
– Cláudio Moraes Sarmento, psiquiatra
– Cyberchondriasis: Fact or fiction? A preliminary examination of the relationship between health anxiety and searching for health information on the Internet, Journal of Anxiety Disorders, Volume 26, Issue 1, January 2012, Pages 189–196,
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