O direito ao acompanhamento do utente do sistema de saúde
O direito de acompanhamento do utente do sistema de saúde está, há muito, consagrado na nossa legislação. A título de exemplo, a Lei n.º14/85, de 6 de julho, relativa ao acompanhamento da mulher grávida durante o trabalho de parto, foi aprovada em 1985. As disposições relativas a tal direito encontravam-se, porém, dispersas em legislação diversa. Recentemente, foi aprovada a Lei n.º15/2014, de 21 de Março, que veio congregar num só diploma as regras relativas a este direito. Ao mesmo tempo, tal diplomas apresenta algumas novidades.
O direito ao acompanhamento é aplicável a todo o sistema de saúde. Isto significa que tal é aplicável não só no âmbito do Sistema Nacional de Saúde, mas também no que concerne aos prestadores privados de saúde. Contudo, encontram-se algumas diferenças entre uma e outra situação.
Os diferentes tipos de acompanhamento
Poderemos descortinar três tipos de acompanhamento a que o utente tem direito. Em primeiro lugar, é de referir o direito ao acompanhamento em urgência, que, ao contrário dos restantes, só é aplicável ao utente do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Neste âmbito, qualquer utente que dê entrada no SNS em urgência terá direito a ser acompanhado por uma pessoa por si indicada. Esta pessoa poderá ou não ser familiar do utente.
É de salientar que, se o utente pretende ser acompanhado por determinada pessoa, tal informação deverá ser dada à instituição de saúde. O momento indicado para prestar tal informação será o momento em que o utente é admitido no serviço de urgência. O caso em que o utente não está em condições de escolher o acompanhante será referido abaixo.
Em segundo lugar, existe o direito ao acompanhamento da mulher grávida. Este direito existe em todas as fases do trabalho de parto. Ou seja, a partir do momento em que a parturiente inicia as contrações e até ao momento do nascimento, aquela poderá ser acompanhada. Note-se que a mulher grávida poderá escolher qualquer pessoa como acompanhante, sendo que este fica isento do pagamento de qualquer taxa. Por fim, refira-se que, com a Lei n.º15/2014, de 21 de março, este direito ao acompanhamento passa a estar consagrado, também, nos estabelecimentos privados de saúde. Até este momento, a Lei n.º14/85, de 6 de julho, limitava tal direito às instituições do SNS.
Em terceiro lugar, é de mencionar o direito ao acompanhamento de criança, pessoa com deficiência, em situação de dependência ou com doença incurável em estado avançado ou em estado final de vida. O menor de idade internado em instituição do SNS ou privada tem direito a ser acompanhado permanentemente, de forma gratuita, pela mãe ou pelo pai, ou por pessoa que os substitua. Note-se, contudo, que ao menor entre os 16 e os 18 anos aplica-se um regime diferente. Aquele poderá escolher pessoa diferente para o acompanhar ou poderá, em alternativa, prescindir do acompanhamento. Já a pessoa com deficiência, em situação de dependência ou com doença incurável poderá escolher o seu acompanhante. Em alternativa, o utente será acompanhado permanentemente e de forma gratuita, por ascendente, descendente, cônjuge ou equiparado.
O acompanhante de criança ou pessoa com deficiência, em situação de dependência ou com doença incurável em estado avançado ou em estado final de vida, poderá ter direito a refeições gratuitas no estabelecimento de saúde, do SNS ou privado. Tal sucederá no caso de estarem verificados três requisitos. Em primeiro lugar, o acompanhante terá de estar isento do pagamento de taxas moderadores no SNS. É curioso verificar como a Lei impõe um critério relativo à isenção do SNS mesmo quanto ao direito a uma refeição num estabelecimento privado de saúde. Em segundo lugar, o acompanhante terá de permanecer junto ao utente durante, pelo menos, seis horas. Por fim, o terceiro requisito prende-se com a verificação de uma das seguintes situações: o utente estar em perigo de vida, estar isolado ou ter sido sujeito a intervenção cirúrgica há menos de 48horas; o acompanhante ser a mãe que amamente a criança internada; o acompanhante residir a mais de 30 km do estabelecimento de saúde.
Exercício e limitações do direito ao acompanhamento
Haverá situações em que o utente não estará em condições de proceder à escolha do seu acompanhante. Tal ocorrerá, por exemplo, em situação de urgência quando o utente se encontra inconsciente. Neste caso, os serviços do estabelecimento de saúde deverá promover o direito ao acompanhamento, nomeadamente permitindo a quem comprove ser familiar ou tenha uma relação (por exemplo, de amizade) com o utente.
O acompanhante terá direito a ser informado adequadamente e em tempo razoável sobre a situação do utente. A Lei apresenta, contudo, uma contradição, limitando tal informação à matéria reservada por segredo clínico. Ora, em princípio, toda a informação estará sujeita a tal reserva.Em qualquer caso, o acompanhante está obrigado a comportar-se com urbanidade.
Em algumas circunstâncias, o direito ao acompanhamento pode ser limitado. Desde logo, o acompanhamento não poderá colocar em causa a eficácia e a correção das intervenções cirúrgicas, exames ou tratamentos, bem como os requisitos técnicos aplicáveis. Quando tal seja expectável, o profissional de saúde deverá informar o acompanhante daquelas circunstâncias que fundamentam o seu afastamento do local.
O acompanhamento de mulher grávida poderá ser limitado por motivo relacionado com a gravidade da situação clínica. Por outro lado, quando as condições não permitirem a presença do acompanhante, ou esta coloque em causa a privacidade de outras parturiente, o acompanhamento também poderá ser afastado.
Por fim, caso o direito ao acompanhamento do utente não seja respeitado, este poderá apresentar queixa junto do estabelecimento de saúde, seja ele público ou privado. As instituições de saúde deverão ter livro de reclamações, mas caso não o tenham, o utente poderá apresentar a queixa de forma avulsa. Isto pode ocorrer, por exemplo, por via de carta endereçada ao estabelecimento de saúde. Note-se que a resposta ao utente é sempre obrigatória.
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