Somatização o que é? Quando a nossa cabeça põe o corpo doente!
Tonturas persistentes, problemas de estômago ou intestinos, disfunção erétil e dores de cabeça podem ser sintoma de que algo não está bem. Mas não necessariamente com o seu corpo… Somatizar, ou seja, transportar o mal-estar emocional da sua mente para o seu corpo, não é assim tão fora do vulgar.
Se estamos nervosos, as pernas tremem; se estamos apaixonados sentimos “borboletas” no estômago; se apanhamos um susto, lá vêm aquele aperto no peito. São muitos os sintomas físicos que não controlamos provocados pelas nossas emoções.
Quando nos assustamos e sentimos aquele súbito e forte aperto no peito, sabemos que se tratou de uma reação ao susto e, em princípio, não nos passa pela cabeça que temos um problema cardíaco. Da mesma forma, quando as pernas nos tremem de nervosismo, também o atribuímos à ansiedade e não pensamos que alguma coisa de errado esteja a acontecer com os nossos músculos. Ou seja, muitas vezes, temos sensações corporais desagradáveis, mas como a interpretação que fazemos delas as enquadra numa circunstância de normalidade não nos preocupamos.
Mas quando preocupamos, as coisas podem dar para o torto… A somatização define-se pela presença de sintomas físicos que não estão ligados a nenhuma doença física detetável. E, como nos explica o psiquiatra Diogo Guerreiro, apesar de serem muito comuns na população em geral, a sua causa é em larga medida desconhecida. De qualquer forma, de acordo com o psiquiatra, considera-se que a maioria dos casos, “surge a partir de uma interpretação exagerada de sensações corporais normais, que são vistas pela pessoa como sinais de doença. Esta preocupação leva a que a pessoa se foque ainda mais nestas sensações, levando a uma espiral de maior preocupação, ansiedade e exacerbação dos sintomas.”
Porque somatizamos?
Diogo Guerreiro fornece-nos exemplo para que seja mais perceptível como se pode iniciar um processo de somatização: alguém repara que o coração está a bater muito depressa após fazer um esforço ou porque se sente ansioso (o que é normal), mas interpreta esta sensação normal como “posso estar a ter um problema cardíaco”. Essa interpretação leva a uma atenção excessiva às sensações corporais provenientes do coração (ritmo ou frequência) que pode começar a perpetuar-se no tempo. Inicia-se assim um ciclo vicioso de preocupação, que leva a atenção excessiva, que leva a ansiedade, que leva ao agravamento dos sintomas , o que leva a maior preocupação… E por mais consultas e exames médicos que o paciente faça, eles serão sempre inconclusivos, porque na realidade não existe nenhum problema físico inerente.
Somatizar, como nos explica Diogo Guerreiro, pode também estar relacionado com a predisposição de cada um, nomeadamente como a presença de fortes preocupações sobre doenças, com as circunstâncias sociais (é comum em situações socioeconómicas desfavoráveis) e também com a personalidade do indivíduo, especialmente quando esta é caracterizada por preocupação excessiva ou tendência para exacerbar as situações.
Estes são os fatores que, à luz do que se sabe, podem contribuir para o início do problema. Depois há aqueles que levam a que se mantenha (ou não): a procura incessante de informação sobre doenças, os fatores emocionais e a própria reação dos outros é de especial importância na manutenção ou não dos sintomas.
“Quer os médicos, quer os amigos, podem aumentar o nível de stress da pessoa que está a sofrer de sintomas de somatização, por exemplo, através do constante estímulo para procurar alternativas terapêuticas ou por não darem explicações claras sobre o que é a somatização ou por negligenciarem os verdadeiros medos e preocupações do indivíduo”, esclarece Diogo Guerreiro.
Sintomas mais comuns de somatização:
A lista de possíveis sintomas associados a um processo de somatização é quase tão vasta como a de sintomas físicos que é possível sentirmos, no entanto, há quatro grupos de queixas mais frequentes:
– a dor (de cabeça, de barriga, muscular, …)
– os sintomas gastrointestinais (náuseas, vómitos, intolerâncias alimentares, …)
– os sintomas a nível da sexualidade (perda de libido, disfunção erétil, anorgasmia, …)
– os sintomas pseudoneurológicos (tonturas, vertigens, perda de sensibilidade dos membros, dificuldades na deglutição, …)
Fonte: Diogo Guerreiro, psiquiatra
O stress e ansiedade têm um importante papel nestes distúrbios. Como sabemos, pequenas doses de stress, além de naturais, são, em certas circunstâncias, uma poderosa ferramenta de aumento do nosso desempenho e resultados. No entanto, é sabido que causa alterações a nível corporal (aumento pressão arterial, ritmo respiratório, produção hormonal, etc.) pelo que perante níveis muito elevados de stress ou por períodos prolongados, o corpo, esgotado, começa a fraquejar. E, nessa altura, pode iniciar-se o processo de somatização, ou seja, a transferência para o corpo (sob forma de forma de sintomas ou doenças) das situações stressantes do dia-a-dia, sintomas esses que vão causar mais preocupação e ansiedade, perpetuando os ciclos de ansiedade e sintomas físicos.
Os sintomas umas vezes vão-se instalando de forma lenta e gradual, outras, surgem sob forma de crises agudas, como os ataques de pânico (LINK artigo ataques de pânico) e é importante ter presente que o facto de não terem uma causa orgânica não quer dizer que não sejam reais. Ou seja: eles não são criados nem fingidos pela pessoa e nada têm a ver com querer “chamar a atenção”.
Somatização ou doença psicossomática?
“A somatização é um sintoma, que pode ocorrer ou não no contexto de uma doença psicossomática. As doenças psicossomáticas são aquelas em que os sintomas de somatização são o foco central do problema, ao contrário, por exemplo, do que acontece nas perturbações depressivas ou ansiosas, em que estes são considerados fenómenos secundários.”, explica o psiquiatra Diogo Guerreiro.
De acordo com o médico, as doenças psicossomáticas mais frequentes são:
– perturbação de somatização, um diagnóstico psiquiátrico, que se caracteriza pela presença de queixas de múltiplos sintomas somáticos e que é de longa duração, habitualmente começando antes dos 30 anos de idade. Para o seu diagnóstico é necessário a presença de pelo menos 6 sintomas somáticos (sem explicação médica) de, no mínimo, dois sistemas corporais (ex: gastrointestinal, cardiovascular, neurogenital e cutâneo-álgico).
– perturbação conversiva, uma perturbação psiquiátrica que se caracteriza pela presença de sintomas neurológicos isolados, por exemplo, deixar de mexer um membro, ter uma convulsão ou “desmaiar”, que ocorrem habitualmente após situações de stress importantes. Apesar de se assemelharem a doença neurológica, a observação e os exames complementares não descobrem nada que possa causar os sintomas e a situação melhora com o uso de ansiolíticos ou antidepressivos, assim como de técnicas de psicoterapia.
Outras doenças que podem ser consideradas como doenças psicossomáticas, embora de forma já mais discutível são o síndrome da fadiga crónica; o síndrome do cólon irritável e a fibromialgia.
De médico em médico, de exame em exame…
A história e o percurso do paciente com perturbações somáticas nem sempre é fácil: preocupado como mal-estar físico que o acomete vai ao médico, faz análises e quando chegam os resultados estão ótimos. O médico prescreve mais exames. Todos sem alterações. Nesta altura, muitos médicos começam a tentar introduzir o paciente ao conceito de somatização como explicação do que se passa com ele, mas a pessoa recusa-se a acreditar que não haja alguma coisa errada com o seu corpo. Muda de médico, faz mais exames, vai a uma nova especialidade, aumenta o tom das queixas… e desespera porque acredita que ninguém parece realmente descobrir de que mal padece.
” Um dos fatores que perpetua as situações de somatização é a constante procura de médicos ou terapeutas (alternativos por exemplo), a constante requisição de exames complementares cada vez mais complexos e a tentativa de medicar sintomas (e não doenças)”, esclarece Diogo Guerreiro. Embora admita que é uma situação desafiante para os médicos, especialmente para aqueles que não conhecem bem o doente, é fundamental saber quando parar e os médicos sabem perfeitamente quando o devem fazer: é essencial realizar uma investigação adequada aos sintomas apresentados, pois de inicio a somatização é virtualmente indistinguível das doenças físicas. No entanto, se após ter feito tudo o que é suposto e mesmo assim não se identificar causa física, deve ser colocada a hipótese de se tratar de um problema de somatização, devendo existir explicações claras para o doente e eventualmente para os familiares.
O psiquiatra frisa mesmo que na maioria dos casos esta explicação clara e calma resolve o problema, mas se este persistir deverá existir uma referência para a especialidade de psiquiatria, que poderá indicar a realização de uma terapêutica farmacológica ou psicoterapia.
De resto, embora as hipóteses terapêuticas variem dependendo dos sintomas ou doença específica, assumir que se trata de um problema do foro psicológico é o passo mais importante que o paciente pode dar no sentido do seu tratamento.
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