Orientação vocacional: para que serve?
Vamos abordar o tema da Orientação vocacional, o que é e para que serve.
O que queres ser quando fores grande? O que é a Orientação vocacional?
Decidir qual a área de estudo pela qual se quer optar no 10º ano ou em que curso ingressar no final do 12º, pode não ser uma decisão óbvia e fácil para todos os estudantes. A orientação vocacional e profissional pode ajudar muitos jovens a descobrirem as suas aptidões e potencialidades, de forma a tomarem decisões mais conscientes sobre o seu projeto de vida.
O que queres ser quando fores grande? Esta talvez seja uma das perguntas que as crianças mais ouvem durante a sua infância e adolescência… O que querem ser quando crescerem. Durante a infância, a pergunta tem quase sempre um tom ligeiro, é feita mais por graça do que por qualquer outra razão e qualquer resposta serve (“não sei” e “astronauta” incluídos). Mas à medida que adolescência avança e, com ela, se aproxima a altura de tomar decisões, “não sei” e “astronauta” começam a ser respostas preocupantes para os pais.
Quer o adolescente já tenha uma noção do que “quer ser”, quer não tenha nenhuma, a orientação vocacional é um processo que faz todo o sentido, seja para o ajudar a fazer opções, seja para “confirmar” uma decisão já tomada. Está indicada sobretudo para os alunos durante o 9º ano de escolaridade – para os poder apoiar na escolha da área de estudos para 10º ano – e durante o 12º ano, para os ajudar na decisão do curso a seguir.
Mas afinal, o que é ao certo a orientação vocacional? Em que consiste este processo e em que medida pode ajudar à tomada de decisão? Ana Durão, psicóloga clínica e psicoterapeuta com experiência nesta área, ajudou-nos a responder às perguntas.
Este é um processo que “geralmente inclui um momento inicial de entrevista exploratória sobre o percurso escolar ou profissional [já que é usada também para reorientação académica ou profissional] e as expectativas do sujeito sobre o seu futuro. Realizam-se testes de personalidade e avaliam-se as competências cognitivas e as preferências vocacionais do sujeito”, explica a psicóloga.
Os testes aplicados não são sempre os mesmos: a idade, a escolaridade, a possibilidade de fazer a orientação de forma individual ou em grupo e a própria experiência e orientação do psicólogo (clínico ou educacional) determinam a escolha das baterias de testes a aplicar, conta-nos Ana Durão.
Ainda assim, geralmente os psicólogos não dispensam a aplicação da Bateria de Provas de Raciocínio Diferencial (que avalia cinco tipos de raciocínio diferentes: numérico, verbal, espacial, analítico e mecânico) e um Exame Exploratório da Personalidade e do Funcionamento Emocional (teste de Rorschach).
Ana Durão explica que, apesar de os testes serem uma ferramenta muito importante num processo terapêutico de Orientação Vocacional, são apenas ferramentas dentro de um leque de possibilidades e questões que devem ser exploradas, nomeadamente, as relativas à própria pessoa (quais são os seus interesses, desejos e objetivos pessoais e profissionais), as que têm a ver com as suas possibilidades atuais (do que gosta, porquê, o que sabe fazer, o que faz naturalmente e sem esforço, o que tem de fazer mas faz com esforço) e, finalmente, no que toca às possibilidades futuras (o que quer fazer, que pessoa deseja ser daí a uns anos, que tipo de vida deseja ter no futuro).
Conhecer o jovem e conhecer o seu contexto
Na fase em que os jovens têm de fazer escolhas que podem vir a condicionar-lhe o futuro, muitas outras coisas estão a acontecer na sua vida, até porque esse é um período marcado “pelos confrontos pessoais do jovem com o próprio sistema em que está envolvido (família, escola, amigos, comunidade) e por conflitos internos na busca da definição da sua identidade”, refere Ana Durão.
Nem sempre os interesses e as competências ou aptidões são coincidentes, por exemplo, o adolescente pode julgar ter grande interesse em engenharia electrónica, mas não ter competências ao nível da matemática, que são essenciais a poder ingressar nessa área de estudos. Por essa razão, a psicóloga esclarece que não são raros os casos nos quais a orientação vocacional passa sobretudo por ajudar o adolescente a desenvolver a perceção sobre si mesmo, a perceção sobre a realidade exterior e familiar, ampliando assim a capacidade de perceber de forma mais amadurecida qual a melhor escolha a fazer. A que melhor se adequa a si próprio.
É sabido que a inteligência e as aptidões não são suficientes para garantir o sucesso. “Depois de aplicados os testes de competências cognitivas e as preferências vocacionais do sujeito, saberemos aquilo de que é capaz, mas ainda assim não saberemos prever com certeza se ele será capaz de realizar o que se propõe.
O que nos fará ter mais certezas será o estudo do seu funcionamento emocional, pelo que se torna sempre indispensável a aplicação de testes de personalidade e uma entrevista exploratória com o sujeito”, explica a psicóloga Ana Durão.
Todo o contexto do adolescente – familiar, social e económico – tem de ser também avaliado de forma a ser possível guiar efetivamente o jovem no caminho de um projeto de vida adaptado a si, pelo que faz sentido que, por vezes, os pais possam estar presentes numa sessão de orientação vocacional.
Ana Durão refere que é necessário ponderar que, muitas vezes, “as condições do meio familiar e social podem limitar a liberdade de escolha […] sobretudo quando a orientação é realizada a adolescentes ou jovens adultos sem autonomia financeira ou outra situação que possa condicionar a sua escolha.”
Quando eles não gostam de nada…
Fazer projetos de longo prazo pode não ser fácil para um adolescente. Sabemos que a adolescência é um período de grandes transformações – físicas e emocionais – e não é de espantar esta dificuldade em fazer projeções a médio e longo prazo, até porque há uma forte base neurobiológica para a famosa “inconsciência” dos adolescentes.
Sabe-se hoje, que até cerca dos 25 anos o córtex pré-frontal – a parte do cérebro que nos permite uma consciência dos nossos atos a médio e longo prazo – não está ainda completamente amadurecida. Quer isso dizer que a tendência do adolescente é pensar no aqui e no agora, mas não é menos verdade que, ainda assim, têm de tomar decisões que terão algum impacto no seu futuro a longo prazo e, por essa razão, é importante que alguém os guie nesse processo.
Alguns adolescentes parecem também tomados pela apatia, por um desinteresse generalizado porque quase tudo, escola e futuro académico e profissional incluídos. Será esta atitude “normal”? Ana Durão refere que esta desmotivação não atinge todos os adolescentes: a maioria deles, mesmo perante a indecisão, consegue diferenciar o que gosta e o que quer do que não gosta ou não quer fazer ou estudar. “Mas, para alguns, o presente e o futuro parece não lhes interessar”, admite.
Perante este cenário, embora sem alarmismos, é importante os pais não perderem de vista que a adolescência é um processo de “reformulações constantes de caráter social, sexual e de género, ideológico e vocacional, onde as exigências sociais aliadas à puberdade podem ser um dos fatores que desencadeiam os sintomas depressivos.”
Situações de desinteresse extremo não devem, pois, ser ignoradas e deve ser feito junto do jovem um trabalho que permita perceber a razão do seu desinteresse, bem como ajudá-lo na criação de um projeto de vida viável, um trabalho no qual devem participar a psicóloga, a escola e a família. “Pode inclusivamente ser necessário sugerir um acompanhamento psicológico para que o adolescente e a família possam ter apoio e aprender assim a lidar com essa fase de transição e de escolhas”, refere Ana Durão.
“Um jovem com um projeto escolar ou profissional condizente com as suas potencialidades e perfil, será certamente um jovem mais bem-sucedido, com maior autoestima […] e correrá menos riscos de viver quadros patológicos de ansiedade, depressão ou esgotamento (burnout) durante o seu percurso escolar, académico ou na sua inserção no mercado de trabalho”, remata a psicóloga.
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