A retinopatia da prematuridade
Retinopatia da prematuridade, uma doença que afeta apenas bebés prematuros.
A Retinopatia da prematuridade pode ocorrer quando há uma interrupção da vascularização normal da retina.
Esta doença não conhece formas eficazes de prevenção mas pode ser tratada adequadamente.
Num estudo efetuado no Hospital de S. João, demonstrou-se a presença de Retinopatia da prematuridade em 61,6% dos bebés nascidos com peso inferior a 1500 gramas. O Dr. Augusto Magalhães, oftalmologista pediátrico, dá-lhe a conhecer um pouco melhor a doença.
Como se define a Retinopatia da prematuridade?
A Retinopatia da prematuridade é uma doença resultante da interrupção da normal vascularização da retina. Quando o nascimento acontece prematuramente, o crescimento normal dos vasos da retina é interrompido.
Posteriormente, quando esse crescimento é retomado semanas após o nascimento, pode dar-se de forma desorganizada com a formação de vasos anormais que levam a alterações graves da estrutura da retina, e eventualmente à cegueira nos casos mais graves.
É, portanto, uma doença que só atinge bebés prematuros?
Sim. A vascularização da retina inicia-se por volta das 12 semanas de gestação e só fica concluída entre as 36 e as 40 semanas. Os vasos da retina crescem à custa de uma estimulação bioquímica muito complexa. Existe uma substância designada VEGF (Vascular endothelial growth factor) que é a última responsável numa cascata de eventos que culmina com o crescimento dos vasos sanguíneos da retina.
A atuação do VEGF está dependente dos níveis sanguíneos de uma outra substância, o IGF1 (Insulin growth factor), que é fornecido ao feto pela placenta.
Quando o nascimento se dá prematuramente há uma baixa súbita dos níveis de IGF1 com interrupção da “estimulação” do VEGF. Daqui resulta uma paragem do crescimento dos vasos da retina.
Esta paragem é muitas vezes agravada pela administração de oxigénio nas incubadoras. O oxigénio em altas concentrações, que é necessário para manter o bebé vivo, muitas vezes contribui para a paragem do crescimento dos vasos, e pode mesmo promover a regressão de alguns vasos recentemente formados.
Quando os níveis de IGF1 são repostos à custa da produção pelo próprio bebé, o que se dá com o crescimento, os altíssimos níveis de VEGF então acumulados levam a um crescimento exagerado e descontrolado de vasos anormais, que podem provocar repuxamento da retina com descolamento e cegueira.
Quais os fatores de risco para o desenvolvimento da doença?
A Retinopatia da prematuridade é uma doença multifactorial.
O maior factor de risco é a prematuridade, que está expressa na idade gestacional e no peso ao nascimento. Quanto menor a idade gestacional e/ou quanto menor o peso ao nascimento, maior o risco. Nos países desenvolvidos com bons cuidados neonatais (Portugal está aqui incluído) estão particularmente em risco de desenvolver Retinopatia da prematuridade os bebés que nascem com peso inferior a 1500 gramas.
Outro fator de risco muito importante é o oxigénio suplementar administrado ao bebé nas primeiras semanas de vida. Grandes flutuações nos níveis de oxigenação no sangue são particularmente perigosas no que diz respeito ao desenvolvimento da doença.
Outros fatores de risco habitualmente apontados incluem a sepsis, as alterações hemodinâmicas, as transfusões de sangue múltiplas, a multiparidade, a doença da membrana hialina, o défice de vitamina E, o uso de aminofilina, alguns antibióticos, pH baixo, luz ultra violeta, entre outros.
Como é feito o diagnóstico de Retinopatia da prematuridade?
O diagnóstico faz-se por observação do fundo ocular do bebé. A observação adequada deve ser efetuada com um oftalmoscópio indirecto e uma lente de 28 ou 30 dioptrias.
Esta observação não é habitualmente fácil e por isso é necessário que seja efetuada por um oftalmologista com muita experiência nesta patologia.
Recentemente apareceu no mercado um aparelho capaz de fotografar o fundo ocular dos bebés. Se a aquisição das fotografias for bem executada, a sua análise pode ser efetuada à distância por oftalmologistas experientes através da rede web.
Este método permite detetar com facilidade bebés com Retinopatia da prematuridade, mesmo em centros onde não existam oftalmologistas treinados nesta doença.
Existem formas de prevenção desta doença?
As formas de prevenção são praticamente inexistentes para esta doença uma vez que ela decorre essencialmente da prematuridade.
A prevenção possível passa essencialmente por cuidados neonatais de excelência. Nos países emergentes onde esses cuidados neonatais são de pior qualidade, a prevalência e a gravidade da doença é maior mesmo em bebés de maior idade e peso ao nascimento.
Em simultâneo, com um bom controlo da oxigenação e com a prevenção de grandes flutuações nos níveis de oxigénio é fundamental um bom equilíbrio hemodinâmico. É importante sobretudo a deteção da doença em tempo útil para que o tratamento se possa efetuar de forma adequada e no momento exacto.
Uma vez diagnosticada, como pode ser tratada a Retinopatia da prematuridade?
Antes de mais é necessário dizer que existem critérios objetivos para decidir efetuar tratamento e que, na presença desses critérios, o tratamento deve ser efetuado dentro de 48-72 horas.
A Retinopatia da prematuridade trata-se com crioterapia (sonda de frio) ou com laser. Ambos são tratamentos ablativos, ou seja, queimam parcialmente a retina não vascularizada. Desta forma, diminui-se o estímulo para a proliferação dos vasos anormais capazes de destruir a retina normal.
Deposita-se atualmente grande esperança em novos métodos de tratamento. Um desses métodos consiste numa injeção intra-ocular de substâncias capazes de bloquear o VEGF excessivo e desta forma controlar o crescimento descontrolado dos vasos anormais. Nos casos em que a doença já evoluiu para descolamento da retina é necessário efetuar microcirurgia intra-ocular.
Quais as possíveis consequências para o bebé?
A primeira consequência possível resulta da fase aguda da doença. Quando a Retinopatia não regride espontaneamente ou não cede ao tratamento evolui para descolamento de retina de muito difícil tratamento e normalmente para a cegueira.
As consequências a médio e longo prazo são sobretudo uma maior incidência de estrabismo e de erros refrativos. A miopia é muito mais frequente nos prematuros e ainda mais naqueles que necessitaram de tratamento (mais na crioterapia do que no laser).
Nos doentes tratados, o campo visual fica levemente diminuído. De um modo geral, os prematuros com alguma forma de Retinopatia acabam por ter ligeira diminuição da acuidade visual e da visão cromática.
Conselhos aos pais:
– Devem informar-se sobre a doença e sobre o seu carácter.
– Se tiverem um filho prematuro devem assegurar-se que o seu filho tem a vigilância adequada em tempo útil por pessoas qualificadas.
– Por vezes é necessário efetuar observações múltiplas mesmo para além da alta hospitalar. Os pais devem estar disponíveis para essas consultas.
– Devem ainda saber que a vigilância oftalmológica dos seus filhos não termina quando a retina fica completamente vascularizada. Há que efetuar rastreios periodicamente e de acordo com as indicações médicas uma vez que são muito frequente os erros refractivos e o estrabismo.
“Nos países desenvolvidos com bons cuidados neo-natais (Portugal está aqui incluído) estão particularmente em risco de desenvolver Retinopatia da prematuridade os bebés que nascem com peso inferior a 1500 gramas”
“O diagnóstico da doença é feito por observação do fundo ocular. Não é habitualmente fácil e por isso é necessário que seja efetuada por um oftalmologista com muita experiência nesta patologia”
“Recentemente apareceu no mercado um aparelho capaz de fotografar o fundo ocular dos bebés”
“É importante sobretudo a deteção da doença em tempo útil para que o tratamento se possa efetuar de forma adequada e no momento exacto”
ENTREVISTA: Dr. Augusto Magalhães, oftalmologista pediátrico do Hospital de São João
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