Narcolepsia, a doença de quem dorme em excesso, a qualquer hora do dia e de forma incontrolável.
A palavra narcolepsia vem do grego nárke = narco, turpor, sonolência + lepsis = lepsia, ataque, crise. É uma doença em que a pessoa tem o desejo incontrolável de dormir ou apresenta crises repentinas de sono, mesmo que tenha dormido bem durante a noite.
Como os sintomas geralmente aparecem no início da fase adulta, o portador desse distúrbio pode sofrer prejuízos na sua formação académica ou no desenvolvimento da personalidade, e encontrar dificuldades para desempenhar tarefas do dia-a-dia, como trabalhar ou conduzir, por exemplo. Por não se adaptarem ao ritmo de vida imposto pela sociedade ou pela falta de informação, muitas vezes os narcolépticos são vistos como preguiçosos ou dorminhocos, e
acabam por ser discriminados por parte de familiares, colegas de trabalho e amigos.
Descoberto há mais de um século, as origens desse misterioso distúrbio do sono só começaram a ser conhecidas na última década, graças aos avanços das Neurociências e da Imunogenética.
Prevalência e causas de Narcolepsia
A narcolepsia não é uma doença rara e atinge cerca de uma em cada duzentas pessoas ao redor do mundo. Estima-se que cerca de três milhões de pessoas sofram desse mal, embora haja forte suspeita de que esses números sejam subestimados, pela dificuldade do diagnóstico, ou até pelo facto de muitos pacientes sofrerem em silêncio. Em Portugal, em 2008 e 2009, o número de doentes afetados pela narcolepsia rondava os 50 por cada cem mil habitantes.
Na década de 1980, investigadores associaram o gene HLA-DQBl *0602, que fica no braço curto do cromossoma seis, com mais de 90% dos casos de narcolepsia e cataplexia. Já em 1998, a comunidade científica começou a observar também que pacientes com narcolepsia apresentavam uma concentração menor de hipocretina ou orexina (neurotransmissor responsável pela regulação do sono-vigília, dos comportamentos alimentares, da locomoção, entre outras atividades), no líquor (veja infográfico).
O que se sabe hoje é que a narcolepsia é consequência da perda de um grupo de células localizadas numa região cerebral chamada hipotálamo, mais precisamente no hipotálamo lateral. Essas células, chamadas hipocretinérgicas, morrem precocemente, reduzindo-se assim a produção de hipocretina.
A falta ou a diminuição dessa substância no sistema nervoso central causa desorganização e instabilidade no ciclo sono-vigília: acontecem “invasões” de sono quando o paciente está acordado, e despertamentos durante o sono. Estas situações são algumas das características dos sintomas da doença.
Muitas são as possibilidades propostas para explicar essa morte celular. A mais aceite atualmente é a teoria imunológica, em que há uma agressão do sistema imunológico do próprio paciente contra as células do hipotálamo. Essa autoagressão pode ser desencadeada por alguns agentes internos ou externos após uma reação causada por infeção viral, por exemplo.
Sinais e Sintomas de Narcolepsia
Geralmente, os sintomas da narcolepsia têm início na adolescência ou começo da idade adulta, prejudicando os portadores da doença na sua formação académica e no desenvolvimento da personalidade.
A sonolência excessiva é o primeiro sintoma da narcolepsia, acometendo mais de 90% dos pacientes. É crónica, diária, e ocorre independentemente da quantidade de sono durante a noite; a intensidade é variável.
Além de sonolência excessiva durante o dia, 70% dos narcolépticos apresentam cataplexia associada (perda de força muscular).
Muitos confundem a cataplexia com convulsão ou epilepsia. A cataplexia dura de alguns segundos até dez minutos. A pessoa fica consciente (pelo menos no início do ataque), a audição e a compreensão ficam preservadas, assim como a respiração. É diferente do ataque epilético, que deixa a pessoa inconsciente, confusa ou com amnésia.
Em alguns pacientes podem ocorrer alucinações visuais ou auditivas, que se manifestam durante a transição entre o sono e a vigília. Essas alucinações caracterizam-se por possíveis sonhos que se misturam com a realidade. Os pacientes frequentemente interagem com esses sonhos, o que pode levá-los a passar por situações inadequadas em casa ou em público.
Muitas vezes, eles relatam que parecem sair do corpo. Nalguns casos, o paciente é acometido pela paralisia do sono. O corpo não consegue movimentar-se logo ao acordar. A pessoa está consciente, em vigília, mas não consegue mexer-se. A paralisia dura de um a dez minutos, e é interrompida por um estímulo sensorial externo ou graças a um esforço mental.
Também é bastante comum a fragmentação do sono noturno: a pessoa acorda várias vezes durante a noite, com movimentação excessiva, o que prejudica a qualidade do sono.
Outras manifestações associadas são: episódios de comportamentos automáticos, défices cognitivos, obesidade, parassonias (sonambulismo, terror noturno, pesadelos frequentes), diabetes tipo II.
Diagnóstico da da narcolepsia
O diagnóstico da narcolepsia deve ser feito por um médico neurologista especializado em doenças do sono. Primeiramente, por meio da análise das queixas clínicas, inclusivamente com o preenchimento de um questionário para avaliar se a pessoa tem sonolência excessiva (Escala de Sonolência de Epworth).
Depois disso, todos os pacientes que apresentam sonolência excessiva e que não possuem outros sintomas durante o sono, como ressonar, movimentos de pernas, apneia (interrupção do fluxo de ar pelo nariz e pela boca durante o sono), devem ser submetidos a estudos eletrofisiológicos com polissonografia (PSG) e ao teste de múltiplas latências para o sono (TMLS).
A polissonografia é importante para afastar outras doenças do sono que poderiam justificar a sonolência excessiva durante o dia, como a síndrome da apneia do sono.
Já o teste de múltiplas latências do sono consiste na análise de cinco sestas de 20 minutos de duração durante o dia.
O diagnóstico de narcolepsia é confirmado quando o paciente adormece muito rapidamente durante as sestas e entra na fase REM do sono (fase do sono profundo) em menos de 20 minutos. As pessoas normais geralmente entram no sono REM após 60 a 120 minutos de sono.
A dosagem de hipocretina no líquor não é realizada de forma rotineira, mas torna-se necessária nos casos em que permanece alguma dúvida relativamente ao diagnóstico, como em pacientes que não apresentam cataplexia, que tenham outras doenças, como apneia do sono, ou que tomam algum medicamento que pode interferir no sono.
Prevenção e tratamento da narcolepsia
O objetivo do tratamento consiste em controlar a sonolência excessiva e a cataplexia, a fim de evitar acidentes, e em promover uma maior integração familiar da pessoa afetada. Ele pode ser dividido em comportamental e farmacológico.
A seguir deixamos os aspetos principais do tratamento comportamental:
• Manter uma rotina diária, com horários regulares para comer, praticar exercício e dormir de sete a oito horas de sono. Estes são pontos-chave para um bom resultado. Evitar participar em eventos que exigem a privação do sono, como festas até altas horas da madrugada ou trabalhos noturnos.
• Lembrar que o sono antes das 22h é de melhor qualidade para a produção de diversas hormonas, garantindo melhor funcionamento do corpo durante o dia.
• Programar sestas durante o dia, de maneira a que não atrapalhem as atividades de trabalho. Muitos pacientes relatam benefícios ao dormir cerca de l5 a 20 minutos, duas a três vezes durante o dia.
• Praticar atividades físicas regulares, como alongamentos e exercícios aeróbicos que auxiliem no controlo da sonolência excessiva durante o dia.
• Deve evitar-se o consumo de bebidas alcoólicas, de drogas sedativas e das medicações que promovam o sono, como os antialérgicos ou antipsicóticos, por exemplo.
• Evitar o uso de alimentos que contêm cafeína na sua composição.
• Evitar alimentos ricos em gorduras ou açúcares, principalmente antes de eventos, como reuniões, por exemplo. Alimentos “pesados” exigem maior produção de insulina e podem aumentar a sonolência.
• Evitar conduzir, manobrar máquinas ou realizar atividades de risco sozinho.
Já o tratamento farmacológico inclui estimulantes do Sistema Nervoso Central e anfetaminas. No caso de narcolepsia com cataplexia associada, pode ser necessário o uso de antidepressivos. O tratamento deve ser individualizado e a sua aplicação deve ser realizada em centros especializados, com acompanhamento de um médico neurologista e de uma equipa multiprofissional.
É fundamental que os familiares e as pessoas próximas do doente tenham apoio e educação continuados, com o objetivo de reinserir o paciente em ambientes que estejam preparados para que ele possa desenvolver-se e adquirir um bom desempenho psicossocial.
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