Apendicite, uma emergência médica?
Um órgão minúsculo a que ainda não foi associada nenhuma função vital para o funcionamento do organismo pode ser responsável por uma infecção grave, sobretudo se a situação não for diagnosticada precocemente.
Os sintomas da apendicite aguda são perfeitamente conhecidos pelos médicos mas, apesar disso, podem ser dúbios. “A história começa habitualmente com falta de apetite, naúseas e vómitos, febre baixa e uma dor abdominal em redor do umbigo que normalmente é difusa, e que, no espaço de algumas horas, se transfere para a parte inferior direita, imediatamente acima da anca”, descreve o médico de família Rui Cernadas. A estes sintomas acaba por se associar a distensão abdominal (sensação da barriga inchada), a incapacidade de eliminar gases e uma quebra do estado geral. “À medida que as horas passam a dor piora, sobretudo quando a pessoa se move, respira profundamente, tosse ou espirra. Pessoas com estes sintomas devem procurar um médico imediatamente”, alerta o médico.
O apêndice é um órgão em forma de tubo cujo diâmetro é inferior a 10 milímetros, ligado à primeira parte do intestino grosso (cólon), localizado no abdómen inferior direito. Segundo afirma Rui Cernadas, a função do apêndice não é bem conhecida, sabendo-se, no entanto, que pode estar envolvido na defesa imunológica do organismo.
A apendicite é causada por uma inflamação neste órgão, muitas das vezes associada à obstrução do seu esvaziamento. O procedimento de tratamento é cirúrgico, fazendo-se a remoção do apêndice – apendicectomia. A evolução é por norma boa e, em poucos dias, o paciente estará recuperado. Outra boa notícia é que, tanto quanto se sabe, ele não nos faz falta nenhuma, pelo que não implica qualquer tratamento de substituição. Porém, se o bloqueio não for detetado atempadamente o apêndice vai dilatando e, em consequência, pode ocorrer a sua ruptura, espalhando a infecção pelo corpo, razão pela qual a deteção precoce é importante.
Sintomas da apendicite bem definidos mas dúbios
O diagnóstico da apendicite é tecnicamente simples mas, a variedade dos sintomas e a percepção deles por parte dos doentes, torna este diagnóstico, por vezes mais difícil sendo confundido, mesmo em meio hospitalar, com outras doenças como a diverticulite.
Um doente com apendicite pode enfrentar um de três cenários:
– Sentir uma forte dor abdominal que o leva a recorrer à ajuda médica.
– Ao fim de um tempo a dor pode passar ou porque a desobstrução ocorreu ou porque se verifica, perigosamente, o rompimento do apêndice e no imediato, a pessoa fica com a ideia de que está tudo resolvido. No entanto, a infecção está na realidade a progredir e a tornar-se perigosa.
– O apêndice rompe mesmo, e dada a proximidade e contacto com fezes, estamos perante uma infecção bacteriana generalizada dentro do abdómen, a que chamamos peritonite, com elevado risco de fatalidade associada, sendo, pelas consequências do seu não tratamento por falta de diagnóstico atempado, considerada uma emergência médica.
Qualquer pessoa pode desenvolver uma apendicite em qualquer idade, sendo comum entre os 10 e os 30 anos, com uma maior incidência em crianças e jovens. Como nem todos os doentes com apendicite apresentam a totalidade dos sintomas, esta doença pode ser ainda mais difícil de diagnosticar em crianças pequenas e em idosos.
Foi o que aconteceu com Aléxia Costa que, com nove anos, começou a queixar-se de dores fortes na barriga, apresentando ainda alguma febre. “Eu era uma criança bastante activa e brincalhona e a minha mãe estranhou a quebra repentina de actividade, já que habitualmente, mesmo com febre, continuava a brincar, e também notou que eu tinha falta de apetite. Ao fim de três dias com febre, os meus pais levaram-me ao hospital onde me receitaram um antibiótico mas não encontraram nada de especial. Passados mais três dias, como o problema se manteve, regressei ao hospital de onde voltei a sair com a mesma resposta…”
A importância do diagnóstico, a falta deste e a gravidade das consequências
O exemplo da Aléxia ilustra bem até que ponto o diagnóstico da apendicite pode falhar, com consequências nefastas para a saúde do doente. “Três dias depois da segunda passagem pelo hospital, voltei e cada vez pior: não comia nada e sentia dores muito fortes na barriga. Finalmente, após ter feito uma ecografia, diagnosticaram-me uma peritonite, porque o apêndice já tinha “rebentado”. A operação foi imediata mas demorou bem mais do que o esperado, devido à infecção generalizada que já existia depois de tantos dias”, conta Aléxia.
Apesar de ter ficado internada cerca de duas semanas com um dreno, e de ter sido obrigada a voltar com regularidade ao hospital durante cerca de mais um mês, felizmente para Aléxia, este episódio de peritonite não teve consequências de maior. “Na minha memória desse tempo, gravei que o meu 10º aniversário aconteceu no segundo dia de internamento. Todos foram muito queridos e tive direito a apagar uma velinha, mesmo estando de cama e sem poder comer, algo cruel para uma criança tão gulosa como eu era.”
O médico Rui Cernadas alerta para a importância de, neste tipo de situações, os doentes não se auto-medicarem, nem com laxantes, nem com analgésicos que podem contribuir para mascarar os sintomas que permitem fazer o diagnóstico precoce da apendicite. Procurar ajuda médica, de preferência em serviço de urgência hospitalar é sempre o mais correcto, para que o diagnóstico possa ser feito atempadamente evitando a evolução para uma situação mais complicada.
Como é feito o diagnóstico?
– Exame físico: é o tipo mais preciso de exame feito pelo médico, em que este fará a palpação da região abdominal do doente. Se este reagir com dor intensa ou se se verificar um espasmo muscular depois da pressão exercida sobre a zona inferior direita da barriga, tal poderá ser um forte indicador de um quadro de apendicite.
– Exame de sangue: um exame de sangue mostrará o número de glóbulos brancos presentes no sangue do paciente e se estiver mais alto do que o normal, é sinal de que há infecção.
– Exame de urina: é o mais utilizado para que o médico tenha a certeza de que as dores não são fruto de pedra nos rins. Na análise de resultados, é possível determinar a causa dos sintomas por meio de observação dos glóbulos vermelhos, que ficam mais visíveis ao microscópio quando há um cálculo renal. Caso eles não indiquem pedro nos rins, o médico suspeitará de possível inflamação do apêndice.
– Raio-X: o médico também poderá solicitar um raio-X da região abdominal ou ainda uma ecografia. Por meio da análise das imagens feitas nesse exame, poderá fazer o diagnóstico correcto.
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