Células estaminais: compreender antes de decidir
Células estaminais, o que são, para que servem, como funcionam?
É ainda durante a gravidez que os futuros pais terão de decidir sobre o futuro das células estaminais do seu bebé.
Em Portugal, a decisão está limitada por praticamente só existir a possibilidade de preservação em bancos privados. Procuramos aqui esclarecer as dúvidas mais frequentes e ajudar a perceber o que é a criopreservação das células estaminais.
Durante as ecografias pré-natais é possível acompanhar o desenvolvimento do bebé, perceber a magia da vida e como o nosso organismo se desenvolve a partir de “tão pouco”. Nesse momento conseguimos ver como todos nós somos células: a nossa pele, o nosso cabelo, os nossos órgãos. Mas nem sempre essas células foram cabelos, unhas ou fígado, todas as células começaram por ser estaminais.
As células estaminais são células que ainda não têm especialização ou função definida, ao contrário das células adultas, caracterizadas pela sua especialização funcional. Começam por ser células embrionárias pluripotenciais, quer isto dizer que as células neste estado ainda estão capazes de se transformar em qualquer parte do ser humano, seja numa célula de pele, rim, ou qualquer outra. As células pluripotentes do embrião, encontradas no cordão umbilical, podem evoluir para dar origem a qualquer outro tipo de célula.
À medida que nos desenvolvemos, as células estaminais, apesar de continuarem a existir no corpo, vão perdendo a capacidade pluripotente, passando a ser multipotentes, ou seja, fecha-se o leque de potencialidade da sua transformação em qualquer outra célula do corpo, ficando a sua função sempre especializada dependendo do sítio onde se encontra por predeterminação genética.
Onde já se utilizam as células estaminais
Segundo Pedro Mêda, membro da administração do banco privado Crioestaminal, atualmente já se realizam tratamentos e terapias com células estaminais em mais de 80 patologias, sendo que mais ainda poderão vir a ser tratadas.
As células estaminais atuam como substitutas dos tecidos que naturalmente se lesionam ao longo da nossa vida, podendo ser usadas em casos como Alzheimer, Parkinson, doenças cardiovasculares em geral e diabetes.
De acordo com o artigo Cord Blood: The Future of Regenerative Medicine? Sobre o futuro da medicina regenerativa em relação ao sangue do cordão umbilical, as células estaminais e o sangue do cordão podem ser usados como tratamento de condições genéticas, hematológicas, imunológicas e oncológicas, por exemplo, leucemias, linfomas, anemias, tumores sólidos e imunodeficiências.
Estas podem não só ajudar a tratar diversas doenças, como reparar tecidos danificados e ainda ser usadas após os tratamentos de quimioterapia e/ou radioterapia, ajudando assim na recuperação dos efeitos colaterais dos tratamentos gerando mais células saudáveis no organismo, como é explicado no artigo publicado no British Journal of Haematology sobre os avanços nos transplantes de sangue do cordão umbilical.
Apesar de serem uma opção de tratamento autólogo, isto é, utilizar as células do próprio para tratamento, nem sempre será o mais adequado. No caso das patologias genéticas – como é o caso da leucemia – ou de certas doenças metabólicas não se poderão usar as células estaminais da mesma pessoa pois estas carregam o defeito genético que provoca a doença, não sendo eficazes no tratamento.
Nestes casos, recorre-se a um dador compatível com o doente, que poderá ser um familiar ou então uma amostra de um banco público de forma a encontrar células estaminais compatíveis com o recetor. Já para patologias como tumores sólidos o uso das células do próprio é considerado seguro e eficaz.
Histórias com final feliz!
A aplicação das células estaminais do cordão umbilical como terapia já tem dado provas da sua eficácia. Que o digam Inês e Beatriz, dois dos casos que recorreram ao uso destas células.
Inês foi diagnosticada com leucemia mieloide crónica ainda em bebé. Depois de ter sido submetida a tratamentos de quimioterapia – que se revelaram insuficientes – e perante a ausência de dadores compatíveis para o transplante de medula, os médicos aconselharam os seus pais a ter outro filho para que pudessem fazer um transplante de células estaminais do cordão umbilical.
Três meses após o nascimento do irmão e a recolha das suas células estaminais, a menina, então com 3 anos, deu entrada no hospital para a realização do transplante. Aos 22 anos, Inês há muito que deixou a leucemia para trás e apenas tem de visitar o IPO de Lisboa uma vez por ano para realizar exames de rotina.
Já o caso de Beatriz é diferente. Embora o uso de estaminais em bebés com paralisia cerebral ainda se encontre em fase experimental, os resultados obtidos até ao momento têm sido animadores e Beatriz é exemplo disso. A menina, que sofreu uma asfixia à nascença, participou no estudo clínico da Universidade de Duke, nos Estados Unidos da América em 2011, no qual lhe fizeram uma infusão das suas próprias células estaminais.
Após o tratamento a bebé demonstrou progressos a nível da coordenação dos membros superiores, das costas e da cabeça, sendo que deixou, praticamente, de ter movimentos involuntários e estados de irritabilidade. Uma das melhorias mais significativas registou-se a nível cognitivo: Beatriz mostra-se mais atenta e interativa com o ambiente à sua volta.
Onde e porquê criopreservar?
Esta é a questão que preocupa muitos dos futuros pais. Em Portugal, desde o encerramento do banco público, Lusocord, em 2012, deixou de haver opção de fazer doação. Já a decisão de recorrer a um banco privado comporta um investimento monetário considerável, pelo que os pais querem perceber se é um investimento que valha a pena.
A opção de preservar as células em bancos privados surge como uma salvaguarda de compatibilidade e disponibilidade a nível familiar, já que as células recolhidas do novo membro da família podem vir a ajudá-lo a ele mesmo ou a outro membro da família, sobretudo irmãos. Apesar de serem serviços dispendiosos, torna-se vantajoso nos casos em que a utilização de células do próprio ou de um familiar se apresentam como a melhor opção terapêutica. Hoje em dia os valores oscilam entre os 1000 e os 2500 euros dependendo do serviço contratado.
“O estudo mais recente aponta para uma probabilidade de 1/220 [das células estaminais hematopoiéticas serem usadas em tratamentos], felizmente, estes números são baixos, pois as doenças para quais as células estaminais são usadas são raras. Por outro lado, não podemos minimizar os números, especialmente tendo em conta que são doenças graves e muitas vezes fatais”, explicou-nos Pedro Mêda.
Já nos bancos públicos funciona como uma doação habitual: não há qualquer custo, mas também não existem direitos sobre a amostra, ou seja, pode ser usada para transplante ou para investigação científica, de modo a contribuir para os avanços das investigações em curso sobre os potenciais usos das células estaminais.
“Ao contrário da medula óssea, onde não se criopreservam células, mas das quais existe um banco de dadores a chamar quando necessário, o sangue do cordão umbilical permite ter criopreservadas milhares de amostras, pelo que a probabilidade de se encontrar uma amostra compatível é quase uma certeza. Para tal, deverá recorrer ao Banco Europeu e ao Banco Mundial de sangue de cordão umbilical pois o sangue do cordão umbilical já foi há muito comprovado ter uma ação superior ao do uso da medula óssea”, explicou-nos Mário de Sousa, médico geneticista.
Apesar de cada vez mais se dar ênfase à necessidade da criopreservação das células estaminais e do cordão umbilical, de haver interesse de variadíssimas áreas de medicina e inúmeros esforços dos profissionais de saúde, a opção apresentada à maioria dos futuros pais é apenas de preservação em banco familiar (privado). Esta situação deve-se à falta de recursos para a recolha, processamento e manutenção das amostras em banco público dedicado à criopreservação das células estaminais e sangue do cordão umbilical.
A alternativa, ou seja, a doação pública, mesmo que mínima, permanece no Centro Nacional de Dadores de Medula Óssea, Estaminais, ou Sangue do Cordão (CEDACE) nos Centros de Histocompatibilidade do Norte, Centro e Sul que funcionam como laboratórios de tipagem e de estudo imunológico dos dadores de quem é feito um registo das suas características para eventuais doações.
Como é feita a colheita e preservação das células estaminais?
A recolha das células estaminais à nascença é um processo simples e completamente indolor para o recém-nascido e para a mãe. A decisão da criopreservação terá de ser tomada com antecedência suficiente para que seja enviado o kit, que contém todo o material necessário para que os médicos façam a colheita no dia do parto.
O processo demora cerca de cinco minutos, não interfere com o nascimento do bebé e pode ser realizado nos diversos tipos de parto. A colheita é feita após o cordão umbilical ter sido cortado: é introduzida uma agulha na veia do cordão para se recolher o sangue e procede-se também à colheita de um fragmento, sendo recolhido o maior pedaço possível.
A criopreservação das células estaminais é feita a temperaturas extremamente baixas para garantir a sua preservação (196ºC negativos) sendo que, até hoje, as evidências apontam para uma durabilidade máxima das amostras em boas condições de cerca de 25 anos. Após este tempo as células perdem gradualmente a qualidade e capacidades.
Apesar dos benefícios e sucesso já comprovados, em Portugal, a criopreservação das células estaminais continua a ser uma opção difícil de se tomar, pois nem todas as famílias têm a possibilidade de tal investimento. Quando confrontadas com a questão da criopreservação das células estaminais muitas famílias optam por confiar nas baixas probabilidades do seu uso, apenas um pequeno número de famílias decidem proceder à colheita.
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