Como anda a saúde da sua voz?
Se a impressão digital nos pode identificar, a voz pode revelar muito da nossa personalidade. É através dela que expressamos os nossos sentimentos, intenções e ideias. Há que, por isso, conhecer os fatores de risco das doenças da voz e protegê-la convenientemente. Saiba como.
Costuma estar atento à sua voz ou é daquelas pessoas que “fala pelos cotovelos” sem se preocupar com a saúde do seu aparelho vocal? A voz é um veículo de comunicação por excelência. Assume primordial importância nas relações sociais e na vida profissional sendo que, em determinadas profissões, apresenta-se mesmo como um instrumento de trabalho.
Assim, da mesma forma que um motorista precisa de aprender a conduzir, também um profissional que necessite da voz deveria saber como a mesma deve ser usada, para evitar o aparecimento de problemas.
A voz é considerada muitas vezes como duradoura e infalível e só quando é alvo de alterações é que lhe damos o devido valor. Então, e se lhe disséssemos que existe um laboratório que permite, num só local e apenas numa consulta, fazer um check up completo do seu aparelho vocal e obter uma proposta terapêutica? Com o intuito de investigar, diagnosticar e tratar a voz de uma forma especializada e multidisciplinar foi criado, em 2009, o laboratório da voz, no hospitalcuf infante santo.
Maria Caçador, otorrinolaringologista coordenadora do laboratório, explica que esta unidade “tem o objetivo de oferecer uma avaliação científica completa da voz a todos os que apresentem alterações vocais ou que de algum modo não se identifiquem ou não estejam satisfeitos com a sua performance vocal”.
Devido ao detalhe e rigor com que estuda a voz, este laboratório está muito direcionado para determinados grupos profissionais, tais como cantores, atores, professores, advogados, telefonistas, operadores de call center e até de jornalistas. “Tal como um desportista não se deve preparar para uma prova importante sem treinador e médico a dar-lhe apoio, alguém que usa o aparelho vocal diariamente não devia fazê-lo sem visitar um otorrinolaringologista, de preferência num centro vocacionado para a voz”, adverte a responsável.
Apesar disso, qualquer pessoa pode, a dado momento da vida, deparar-se com patologias ou alterações da voz e da fala que exijam um acompanhamento especializado.
Os inimigos da voz
Já alguma vez parou para pensar se tem uma voz saudável e com qualidade? Antes de mais, é preciso ter em conta que ter qualidade vocal não significa simplesmente ter uma voz audível. Como Maria Caçador explica, “a força, a tonalidade e o timbre de voz são muito importantes para que a mensagem chegue aos outros”. E há muitos fatores que podem interferir nesse processo.
Sempre que utilizamos o nosso aparelho vocal usamos simultaneamente mais de 400 músculos, uma vez que estão implicados vários órgãos e sistemas na produção da voz, como por exemplo, cordas vocais, pulmões, faringe, boca e nariz. Qualquer problema num desses sistemas pode causar alterações vocais.
A voz está diariamente exposta a inúmeros agentes agressores que podem afetar a nossa saúde vocal e interferir na sua qualidade. Maria Caçador aponta como principais inimigos “o tabaco, o álcool, o esforço vocal ou uma má técnica vocal, uma má hidratação e o refluxo ácido do estômago [refluxo gastroesofágico e faringolaríngeo]”. A vida sedentária, o stress e as variações de temperatura também são fatores nocivos.
Cansaço vocal, rouquidão, afonia ou perda de voz, dor ao falar e tosse persistente são alguns dos sintomas que podem evidenciar problemas ao nível do aparelho vocal. Se estas manifestações persistirem por mais de duas semanas ou surgirem sinais mais preocupantes, como por exemplo, expetorar sangue, “a necessidade de uma consulta de voz é inquestionável, principalmente num fumador”, alerta a otorrinolaringologista.
Diagnóstico e tratamento multidisciplinar
Quem visita o laboratório da voz começa por preencher um questionário sobre a sua história clínica vocal e fazer uma consulta de otorrinolaringologia para aferir eventuais queixas ou sintomas. Depois seguem-se um conjunto de exames endoscópicos e acústicos (endoscopia das fossas nasais, faringe e laringe, videoestroboscopia, avaliação subjetiva e objetiva da voz), relativamente fáceis de os pacientes realizarem, que permitem registar imagens da laringe e gravar a sua voz. Todos eles no mesmo local.
Mas o segredo deste laboratório é mesmo a integração multidisciplinar que permite a interação com outros especialistas do hospital. “A equipa fixa do laboratório da voz é composta por um otorrinolaringologista, duas terapeutas da fala, um professor de canto e uma auxiliar de ação médica”, informa a coordenadora. No entanto, pneumologistas, gastroenterologistas, endocrinologistas, psicólogos, nutricionistas e oncologistas trabalham, sempre que necessário, em articulação com a equipa residente para um acompanhamento verdadeiramente personalizado de cada paciente.
No final, e após a reunião dos vários profissionais, é fornecido ao paciente um relatório pormenorizado dos resultados dos exames e “dependendo do diagnóstico feito é proposto ao doente um plano que pode incluir outros exames ou tratamentos”, revela Maria Caçador. Os registos efetuados permitem aos especialistas acompanhar a evolução do tratamento mediante a comparação dos resultados em diferentes fases da reabilitação/terapêutica.
E esta – a proposta de tratamento – é variável e alargada. Pode ir desde a terapêutica médica até à cirurgia, passando por aulas de voz, terapia da fala e modificação de hábitos de vida. Neste sentido, Maria Caçador refere que “quando se planeia uma reabilitação vocal é essencial orientar o doente acerca de uma série de hábitos e comportamentos que podem ser causa ou perpetuar o problema vocal. Depois, dependendo do diagnóstico podem ser propostas terapêuticas com fármacos, com técnicas de terapia da fala ou do canto ou técnicas cirúrgicas”.
Ter atenção às alterações vocais!
Cuidar da voz nem sempre é uma tarefa fácil e quase nunca é encarada como uma prioridade, mesmo no caso de alguns profissionais que utilizam a voz como ferramenta de trabalho. Contudo, os especialistas sublinham a importância de estarmos atentos e de não subestimar os problemas associados ao aparelho vocal.
A maioria das alterações da voz é causada por doenças que devem ser diagnosticadas o mais precocemente possível, de forma a despistar a gravidade da situação e a impedir o agravamento de lesões que poderiam ter sido evitadas ou tratadas rapidamente.
De acordo com a coordenadora do laboratório da voz, as patologias mais frequentemente diagnosticadas “são geralmente consequência de comportamentos nocivos para o aparelho vocal, como nódulos, quistos e pólipos das cordas vocais; disfonias de tensão [rouquidão]; laringites de refluxo e, infelizmente, também tumores da laringe”.
Por isso, para evitar estas situações, Maria Caçador recomenda a realização de uma avaliação da voz para uma orientação personalizada e ainda a adoção de medidas que promovam uma boa saúde vocal (ver galeria). “Uma adequada hidratação, a eliminação de hábitos nocivos como tabaco e álcool e a correção de patologias frequentes como refluxo faringo-laringeo e patologia da tiroide”, são algumas das sugestões da especialista. Deve ainda evitar gritar, falar em meios muito ruidosos e não se expor em demasia a ambientes com fumo ou ar condicionado.
Se notar uma alteração da voz que se torne persistente, como rouquidão ou voz áspera, não perca tempo e consulte um otorrinolaringologista. E, da próxima vez que falar, lembre-se: a voz faz parte da sua imagem pessoal. Se quer passar uma boa imagem, cuide da saúde das suas cordas vocais.
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