Porque temos alergias?
Ácaros, polénes, alimentos “modernos”. Os excessos do estilo de vida ocidental fizeram disparar o número de doenças alérgicas. Hoje, cada vez mais pessoas têm alergias a um número crescente de substâncias que deveriam ser inofensivas. Saiba porque isto acontece.
Atualmente as doenças alérgicas representam o quinto grupo de doenças crónicas mais frequentes a nível dos países desenvolvidos, Portugal incluído. Consideradas uma das epidemias da civilização moderna, estas doenças afetam cerca de 35 a 40 por cento da população. Perguntámos ao imunoalergologista Manuel Branco Ferreira o porquê desta epidemia e o que causa as alergias.
Aspetos hereditários à parte, também fundamentais para a prevalência das doenças alérgicas, Manuel Branco Ferreira começa por nos falar das alterações mais significativas das últimas décadas: o estilo de vida ocidental. Para o imunoalergologista, este estilo de vida tem, atualmente, várias características pouco “simpáticas” para o nosso sistema imunitário.
“Há uma urbanização crescente, o que implica que uma cada vez maior percentagem de pessoas vive em cidades, expostas a maior quantidade de poluentes (quer no exterior quer no interior das habitações), com uma preponderância excessiva de tempo passado dentro de edifícios, por vezes com sistemas de climatização que nem sempre têm a higienização mais adequada”, explica, acrescentando: “Todos estes elementos são fatores que agridem o nosso organismo e o nosso sistema imunitário através da qualidade do ar que respiramos (com maior quantidade de tóxicos químicos e biológicos.”
Mas as diferenças face ao que se vivia antigamente não ficam por aqui. O especialista continua: “Há também um maior sedentarismo das populações. Ora sendo o exercício físico um fator estimulador da imunidade, o sedentarismo ao contrário favorece a menor resistência imunitária. A dieta de tipo ocidental contém também uma série de elementos mais nocivos e é pobre em elementos mais benéficos para o sistema imunitário, nomeadamente frutos e vegetais frescos E, finalmente, o estilo de vida ocidental caracteriza-se pela procura de um elevado grau de ‘higiene’, com o objetivo de reduzir o contacto com micróbios. Ora sucede que o contacto com muitos micróbios é necessário para um bom desenvolvimento do nosso sistema imunitário”.
E o que tem o nosso sistema imunitário a ver com as alergias? A resposta é óbvia, como explica Manuel Branco Ferreira: É que sendo a alergia um “engano do sistema imunitário” – que origina uma reação inflamatória crónica dirigida contra substâncias que são inócuas e deviam ser perfeitamente bem toleradas -, o que a provoca tem a ver com situações que levaram a um menos correto desenvolvimento desse mesmo sistema imunitário, sendo óbvio que existe uma predisposição genética para o desenvolvimento das alergias: normalmente existem vários casos na mesma família.
Conviver com os micróbios
Além do número de pessoas afetadas pelas doenças alérgicas, o facto é que aumentaram também os alergénios, as substâncias que provocam alergias. E estas podem ser de muitos tipos, embora seja possível identificar as mais comuns. No topo da lista estão, naturalmente, um produto dos tempos modernos, os ácaros. E, pasme-se, a crescente higienização no mundo ocidental é tudo menos benéfica para evitar alergias. Para mal de quem sofre de doenças alérgicas as questões ambientais também não ajudam, assim como as atuais práticas agrícolas industriais.
O imunoalergologista no Hospital de Santa Maria explica-nos tudo. “Desde o início do século XX que a prevalência de casos de doenças alérgicas tem aumentado muito significativamente. Várias são as explicações possíveis e uma das que tem tido mais reconhecimento é a hipótese que postula que quanto mais “higienizados” estamos, ou seja, quanto menos contacto temos com micróbios em geral, mais o nosso sistema imunitário não se desenvolve corretamente e fica sujeito a desvios como é o caso da doença alérgica”.
Por outro lado, também tem havido alterações ao longo do tempo nas fontes de alergia. Manuel Branco Ferreira continua: “Um dos alergénios mais importantes em todo o mundo são os ácaros que vivem no interior das nossas casas e que se desenvolvem particularmente bem em ambientes de temperaturas amenas, com algum grau de humidade e sem exposição solar direta. Ora as nossas casas, cada vez mais isoladas do exterior por questões de conforto e de eficiência energética, têm-se revelado ótimos ninhos para estes insetos. Passarmos mais tempo dentro de casa implica também uma maior exposição a estes alergénios.”
Questões ambientais relevantes
Devemos então apanhar mais ar puro. Mas também aqui encontramos um problema. É que outros alergénios importantes são os pólenes e “graças à poluição e às alterações climáticas daí decorrentes, fundamentalmente o aquecimento global, as épocas de polinização das plantas têm vindo a tornar-se mais intensas e prolongadas (há registos de concentrações de pólenes na atmosfera desde há várias décadas que provam exatamente isso), diz Branco Ferreira”. Resultado: pessoas expostas cada vez mais e por períodos mais extensos a agentes irritantes.
“Também alguns alimentos, por exemplo as frutas frescas, se têm vindo a tornar mais alergénicos, na medida em que o seu cultivo intensivo e a seleção de variedades que são mais vantajosas do ponto de vista agrícola, se têm associado a frutos que expressam maior quantidade de proteínas de defesa (PRs) que são exatamente as proteínas mais alergénicas destes frutos e a que o nosso sistema imunitário mais responde”, explica o especialista.
Posto tudo isto, resta-nos tomar algumas medidas de prevenção para evitar as alergias.Em primeiro lugar, tomar medidas para reforçar o sistema imunitário (ver artigo (reforço do sistema imunitário).
“Em segundo lugar podemos tentar alterar um pouco os nossos hábitos de vida, tentando implementar estilos de vida mais saudáveis”, aconselha o imunoalergologista Branco Ferreira, concluindo: ”Em terceiro lugar, podemos tentar reduzir a nossa exposição alergénica: em casa implementando medidas de combate aos ácaros; no caso dos pólenes, programar as saídas de acordo com os dados dos registos polínicos disponíveis; no caso dos alimentos preferindo alimentos biológicos, não tratados.”
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