Escravos das emoções?
Que é o mesmo que perguntar: somos reféns das hormonas e dos neurotransmissores? Podemos afirmar que muitas das emoções que sentimos, ou designamos, têm a sua origem na mesma fórmula química endócrina. E o que é isto? Já lá vamos.
Ao longo das eras muito se tem dito e escrito sobre as emoções e o papel que as mesmas desempenham nas nossas vidas. Algumas são consideradas como “melhores” e outras como “piores”, mas quanto a isso também já lá vamos. A palavra “emoção” deriva do latim “movere”, que significa “pôr em movimento”. E isto fala-nos do quê? Da função das emoções, justamente. Da sua natureza de nos pôr ou colocar em movimento. De dentro para fora. Para quê? Para comunicar ao mundo os nossos estados ou necessidades internas.
Todas as emoções seriam úteis, portanto, e por isso foram mantidas no processo evolutivo humano. Acontece, porém, que ao longo deste processo muitas emoções foram perdendo a sua função original e “adaptaram-se”, de certa forma (e dentro dos possíveis), às novas e mutáveis realidades da “civilização” moderna.
Apesar de não precisarmos mais de correr atrás de búfalos ou matar mamutes para a nossa alimentação, o nosso sistema de luta e fuga continua ativo. Os nossos processos somáticos são ainda e praticamente os mesmos do que no tempo das cavernas. Hoje, porém, somos criaturas com respostas emocionais diversas a um leque também mais abrangente de situações que compõem o dia-a-dia (que não maioritariamente caçar e reproduzir). Contudo, por vezes, certas manifestações são desnecessárias ou surgem em dimensões ditas desproporcionais à situação vivida (por exemplo, perguntem a alguém com síndrome de pânico ou algum tipo de fobia, se isto faz ou não sentido).
Procuramos sempre diferenciar de alguma forma as emoções umas das outras e fazemos diversos tipos de associação, relacionando principalmente as sensações orgânicas com uma determinada situação em que estejamos envolvidos. Ou seja, o que acontece é que fazemos uma ligação direta entre a situação, a nossa interpretação da mesma e o que sentimos. O certo é que cada pessoa – perante uma situação semelhante – pode dar uma interpretação diferente, associando, da mesma forma, intensidades diferentes para a mesma emoção de base (às vezes forte demais, outras vezes, não percebidas adequadamente).
Outro facto bastante curioso – se não fosse por vezes complicado para algumas pessoas – é que não sabemos nomear as nossas emoções. Algumas pessoas confundem o que estão a sentir num determinado momento. Já diziam os poetas antigos que as emoções elevam-nos à condição de seres humanos, porém, em alguns casos elas podem assarapantar (e muito) aqueles que não conseguem enquadrar os seus próprios estados emocionais. Uma “complicação” típica para estes casos? Tomarem decisões permanentes em estados emocionais temporários.
Por outro lado, para pessoas com níveis de adrenalina significativos no seu sistema, qualquer emoção é experienciada como “muito forte”. Vários estudos têm demonstrado que, tecnicamente, são as mesmas reações somáticas/fisiológicas que originam as emoções. Apenas os nomes dados pelas pessoas que as vivenciam são diferentes, por conta das suas expectativas ou interpretações do contexto.
Um combustível para a mudança
Ora, isto dá-nos bons argumentos para pensar cuidadosamente sobre como devemos reagir da próxima vez que estivermos sob uma forte emoção. Como assim? Pelo seguinte: se a emoção adquire o “corpo” conferido pela interpretação dada a certa “história”, se ressignificarmos o conteúdo, mesmo sem alterarmos a base química da emoção de base, podemos alcançar um novo estado emocional ou sentimento.
E atenção que emoções e sentimentos não são a mesma coisa, ao contrário do que a maioria das pessoas possa achar. Os sentimentos formam-se a partir das emoções. A emoção manifesta-se rapidamente; já os sentimentos são internalizados, racionalizados, e perduram mais tempo. A partir daqui é fácil perceber como quando estamos em estados emocionais alterados dizemos coisas ou tomamos atitudes que (no dia seguinte ou no minuto seguinte) nos arrependemos, por estarmos “fora de nós”.
Então, e quanto àquele sentimento que muitas vezes as pessoas têm como tabu? A raiva!? Ela até pode ser uma excelente alavanca, quando bem canalizada, sabia? Só não serve como tal quando é internalizada. Assim, algumas pessoas, por diversos motivos, quando não dirigem de forma adequada a sua raiva, voltam-na contra si mesmos e, nestes casos, na maioria das vezes, as somatizações são inevitáveis. Algumas doenças (como a hipertensão, doenças cardíacas, por exemplo) estão associadas a esta “pressão” de base que se viveu de forma sistemática, quando a pessoa se perceciona como sendo incapaz de alterar qualquer aspecto do exterior, como pretendia.
Todas as emoções foram mantidas durante a evolução por um bom motivo. O medo, por exemplo, é disparado quando há perigo para a nossa sobrevivência. Sem as emoções poderíamos cometer erros de avaliação e até colocar-nos em risco de morte. Apesar disto, e para evitarmos perdas ou lamentações a longo prazo, devemos sempre ter em atenção a forma como interpretamos os factos, assim que percebermos “emocional” e imediatamente uma situação como sendo negativa. O nosso corpo entende a realidade da nossa mente. E se a situação despoletar raiva, no imediato, porque não aproveitar a mobilização que essa indignação provoca no organismo? Para quê? Como um combustível de mudanças no mundo externo, de forma a gerir a angústia de forma mais produtiva, e bem assim, para não causarmos danos desnecessários a outras pessoas ou a nós mesmos. Não existem, portanto, emoções “más”. Todas foram mantidas, ao longo da evolução, por algum motivo. E em última instância elas existem não para nos destruir ou incapacitar, mas pelo contrário, para nos manterem vivos.
Fonte: Sara Ferreira – Psicóloga e psicoterapeuta
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