Perturbação de Hiperatividade e Défice de Atenção: Estratégias atuais de intervenção
“Parece que tem bicho carpinteiro”, “tem pilhas duracell”, “anda sempre no mundo da lua”, “parece que nem me ouve”, “é tão desobediente”, “muda de tarefa constantemente”, “é desorganizado”, “a professora queixa-se que está sempre distraído”, “tantos recados na caderneta da escola”, “não sabe onde deixou as coisas”, “age sem pensar”, “tem atitudes precipitadas”… Já todos ouvimos estes comentários e há mesmo quem diga que “são crianças mal educadas”, “os pais não lhe dão regras nem limites”, “a família é destruturada” ou que “a hiperatividade está na moda”… Será mesmo assim?! Dada a incompreensão e dificuldade de diagnóstico de PHDA são frequentes os mitos absolutamente desfasados da realidade.
Tem-se assistido a um aumento de evidência científica sobre Perturbação de Hiperatividade e Défice de Atenção (PHDA). É uma perturbação neurocomportamental que manifesta os primeiros sinais desde tenra idade, caracterizada por um conjunto de sintomas persistentes de falta de atenção, excesso de atividade motora e/ou impulsividade. O diagnóstico é clínico e para que possam ser encontrados os critérios para qualquer um dos três tipos da PHDA, os sintomas devem surgir antes dos 7 anos de idade, persistir pelo menos durante 6 meses, e serem considerados simultaneamente como desadaptativos e inapropriados ao nível de desenvolvimento da criança. Adicionalmente, as dificuldades no funcionamento devem manifestar-se pelo menos em dois contextos (em casa e na escola). As crianças com PHDA podem demonstrar simultaneamente sintomas de outras perturbações: Perturbação do Comportamento e/ou Perturbação de Oposição (PC/PO), mas também Depressão e Ansiedade.
Esta perturbação tem um impacto negativo nas várias áreas de vida (escolar, familiar e social). O rendimento académico pode ser muito inferior às capacidades intelectuais da criança devido principalmente aos seus problemas de atenção, escasso controlo de impulsos e dificuldades de memória de trabalho. Adicionalmente, apresentam frequentemente dificuldades específicas de aprendizagem (na leitura, ortografia, expressão escrita, matemática e/ou linguagem oral).
Para além disso, estas crianças aborrecem-se em atividades que não achem interessantes e consequentemente, desconcentram-se (p.ex. T.P.C.’s) e evitam as tarefas mais exigentes. É natural que tal não aconteça com jogos virtuais ou filmes apelativos. O défice de atenção implica uma dificuldade em selecionar os estímulos de forma adequada. Ou seja, as crianças fixam-se em pormenores e não são capazes de apreender a ideia principal, como se “as árvores as impedissem de ver o bosque”. Adicionalmente, a impulsividade e falta de automonitorização leva a que estas crianças realizem e entreguem os trabalhos de forma precipitada e com erros ou que leiam em voz alta e se enganem, porque não confirmam se a palavra faz sentido naquela frase antes de a enunciar.
As consequências desta perturbação são diversas e seguem-se apenas alguns exemplos. Baixa tolerância à frustração, dificuldades em seguir as regras, desmotivação escolar, rejeição pelos pares, constantes críticas e culpabilizações (por vezes injustas) pelos pais e professores. Tudo isto contribui para uma imagem negativa de si próprio, sentimentos de desvalorização pessoal, dificuldades nas relações familiares e sociais, com uma tendência para o isolamento social.
As manifestações da PHDA para além de afetarem a rotina diária da criança, perturbam, simultaneamente, a convivência com os outros. A relação parental deteriora-se, a paciência esgota-se, os pais prestam mais atenção ao comportamento perturbador e agem mais impulsivamente, recorrendo mais a berros e castigos, e mesmo assim, nada parece melhorar. Na escola, aumentam as repreensões dos professores e os conflitos com os colegas. Deste modo, as estratégias parentais e dos professores podem tornar-se inadequadas e contraproducentes, que por sua vez, podem mesmo intensificar as dificuldades comportamentais e emocionais da criança, num efeito “bola de neve”. É nesta fase, que os pais procuram ajuda profissional, devido ao intenso sofrimento e exaustão em que se encontram.
Atualmente existem várias estratégias de intervenção para a PHDA: abordagem cognitivo-comportamental, treino comportamental parental, tratamento medicamentoso, intervenções na sala de aula, intervenção tutorial pelos pares, mindfulness e neurofeedback.
A intervenção focada na terapia cognitivo-comportamental é centrada na criança, nos pais e na escola, em alguns casos, conjugada com terapêutica farmacológica. Inicialmente, é fulcral fornecer informação sobre a doença à criança e aos pais (psicoeducação), reenquadrar os “comportamentos-problema” no contexto da dinâmica de funcionamento familiar, bem como desenvolver técnicas de gestão do comportamento, gestão emocional, controlo da impulsividade e treino de competências sociais.
É possível ensinar os pais a abordar os problemas adequadamente, melhorando as suas competências parentais, com a promoção de uma atitude mais positiva e favorável para reagir à criança, com uma postura mais firme e consistente de gestão comportamental, que reduzirá os níveis de stress familiar.
Uma intervenção precoce, multidisciplinar, de acordo com as características e necessidades específicas de cada criança e que envolva todos os contextos, poderá permitir superar as suas dificuldades e desenvolver ferramentas para lidar com os sintomas e problemáticas da PHDA. Neste sentido, a colaboração dos agentes educativos (professores, educadores) que trabalham e interagem diariamente com a criança é imprescindível. Os resultados terapêuticos são mais visíveis quando as intervenções são implementadas de forma apropriada e em simultâneo, quer em contexto familiar, quer em contexto escolar.
Estudos recentes sobre intervenções baseadas na evidência apresentam o Mindfulness como uma técnica eficaz tanto para crianças com PHDA como para os seus pais. Esta abordagem vem colmatar algumas limitações da medicação (que atua a curto prazo e tem efeitos secundários) e do Treino Parental, tendo em conta que a PHDA é altamente hereditária e um diagnóstico de PHDA nos pais é um preditor de fraca resposta ao treino para pais.
O Mindfulness é uma intervenção baseada em técnicas de meditação oriental, que pode ajudar as crianças a aumentar a concentração, a resistência a estímulos distratores e o auto-controlo, tomando contacto com aquilo que está a acontecer no momento atual. Ou seja, aprendem a estar num estado de atenção plena voluntária, percebendo os pensamentos, sensações físicas e emoções, sem julgamento mas com curiosidade, num estado de espírito aberto.
O Mindfulness parental é definido como: prestar atenção ao seu filho e à sua parentalidade de uma forma especial: intencionalmente, aqui e agora. Os pais aprendem a prestar atenção aos seus filhos sem os julgar, a aumentar a consciência do momento presente com a sua criança, e reduzir as reações automáticas (negativas).
Deste modo, esta prática pode ser eficaz para crianças com PHDA e para os seus pais. Estudos recentes indicam que este treino reduz a desatenção, impulsividade/hiperatividade das crianças/adolescentes e dos pais, bem como reduz o stress e reações parentais excessivas, a curto e a longo prazo, e aumenta a satisfação com as interações com a criança e a felicidade com a parentalidade. Mais especificamente, a nível neuropsicológico, a investigação mostra que a meditação Mindfulness melhora o desempenho em tarefas de atenção, memória de trabalho e controlo cognitivo. E a nível cerebral, a evidência é encontrada em mudanças na atividade nos circuitos fronto-estriatais após este treino.
Em suma, a PHDA é uma perturbação séria que se não for tratada precocemente implicará sofrimento intenso na vida da criança, sendo de frisar as diversas estratégias de intervenção eficazes a que as famílias poderão recorrer atualmente.
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