Todos nós conhecemos a preguiça, aquela vontade de não fazer nada.
Embora mais a uns do que outros, ela domina-nos frequentemente num abraço que nos deixa sem vontade de fazer rigorosamente nada. E sabe uma coisa? A maior parte das vezes é um prazer importante e saudável.
São 7h30 e o despertador toca. E não é que não se tenha dormido o suficiente, mas estar cama é tão mais confortável que o mau tempo lá fora, não é? E, então, vamos carregando no botão de adiar do telemóvel ou despertador. Ou então, pelo contrário, é fim de dia, já jantámos e sabemos perfeitamente que ainda nos espera à secretária um relatório por terminar, uma reunião por preparar. Mas, em vez disso, vamos direitinhos ao apelo irresistível do sofá, onde nos estendemos de manta nas pernas a ver a série ótima (ou péssima, pouco importa) que está a passar na televisão. Serão estes pecadilhos assim tão graves? Ou estaremos, afinal, a fazer um enorme favor a nós próprios a maior parte das vezes que nos deixamos vencer pela vontade de não fazer nada?
A psicóloga Joana Alves Ferreira, do Canto da Psicologia, não tem dúvidas em afirmar que o que não falta é “preguiça boa”. “Numa sociedade pautada pelo imediatismo, onde prevalece uma lógica de aceleração constante, qualquer abrandamento corre o sério risco de ser olhado pelas lentes reprovadoras de um sistema que espera quantidade, mais do que qualidade”, afirma a psicóloga. Mas o que é certo é que a preguiça, em oposição à produção frenética de resultados, “é um espaço de encontro do indivíduo consigo próprio: é a possibilidade de estar só, de contrabalançar o prazer com os imperativos da realidade e de desenvolver em si um mecanismo que permita regular estes dois motores da vida.”
Mais: pode ser um lugar rico em criatividade e abono da saúde mental. “Quem não experienciou já o prazer de não cumprir ou adiar uma tarefa, fazendo uma outra e descobrindo nesta última um mundo de potencialidades?”, lembra Joana Alves Ferreira.
Mas o que é certo é que não fazer nada é mal visto há milénios na sociedade ocidental. A preguiça é descrita como um dos sete pecados capitais, fortemente criticada na Bíblia e a tradição anglo-saxónica liberal do século XVII assenta precisamente no valorização do trabalho, visto como a forma privilegiada não só de aquisição de propriedade como de edificação do espírito. Será?
Sem querer fazer qualquer apologia a uma espécie de síndrome da preguiça, Joana Alves Ferreira reforça que “seria um paradoxo não reconhecê-lo como importante, como organizador e, mais do que isso: como um espaço de crescimento e de encontro com o próprio, sem o qual ficaríamos rigidificados e aprisionados na era da maquinização do Homem.” No entanto, naturalmente que é no equilíbrio entre o prazer de não fazer nada e o cumprimento do que é esperado de nós que está uma vida e mente saudável.
Se a preguiça já é tanta que o indivíduo se torna disfuncional, não cumprindo as suas responsabilidades, importa perceber o que se passa. A psicóloga acredita que encontrar métodos de organização – como estabelecer objetivos e priorizar tarefas – pode ajudar, “no entanto, não há método mais eficaz e revelador do que conhecer-se a si próprio e perguntar a si mesmo do que quer fugir, o que quer evitar, no momento em que a preguiça ataca.”
Preguiça normal ou preocupante?
De acordo com Joana Alves Pereira, quando a preguiça assume proporções que ameaçam o equilíbrio psíquico da pessoa e a funcionalidade nos diversos aspectos da sua vida, há um conflito que importa ser compreendido! Exemplo: um aluno que adia reiteradamente a realização de trabalhos que irá ter que apresentar à turma, um empresário que se sente impelido a não se levantar nos dias em que tem reuniões decisivas para o seu negócio.
Estas são situações “agudas” que, se repetitivas, nos estão a dar a indicação de que há alguma coisa mais interna, provavelmente mais dolorosa também, com a qual não queremos ter contacto e, através deste sintoma, vamos adiando. É aqui que a fronteira do que é normal se esbate, porque naturalmente compromete o bem-estar do sujeito.
Atualizado a: