Aprenda como Treinar a Resiliência
Partindo da história infantil de Hensel e Gretel a psicóloga Ana Beirão explica-nos o que é a resiliência e quais as estratégias para a desenvolvermos.
Recorda-se quando era pequeno e lia um conto e ficava embrulhado na história, como se estivesse ao lado do protagonista a viver aquela aventura ou a ser desafiado para se libertar do drama existente?
Um dos propósitos dos contos é de proporcionar uma apropriação da história de modo a existir um contacto com os conflitos existentes na vida das pessoas, com diferentes obstáculos, frustrações e soluções para ultrapassá-las. Os contos ensinam em muito como as diferentes personagens, princesas, anões, polegares, gatos, soldadinhos, porquinhos, entre outros, conseguem ultrapassar as diversas dificuldades que surgem nas suas andanças. Falam também de uma espécie de transformação na vida do personagem e daqueles em seu redor, abordando as consequências das suas acções, a imprevisibilidade de algumas situações e a capacidade de mesmo assim enfrentar e encontrar formas de as superar.
Vejamos uma das histórias dos irmãos Grimm, Hensel e Gretel, dois irmãos que foram abandonados pelos pais por não os poderem alimentar. Um dia o pai, um lenhador, leva os seus filhos para a floresta, o que ele não sabia é que os dois filhos sabiam do plano e levaram consigo umas pedrinhas que haviam apanhado. Enquanto caminhavam deixavam para trás um trilho destas, a fim de encontrarem depois o caminho para casa. Apesar dos pais ficarem contentes por Hensel e Gretel terem regressado, no dia seguinte foram levados novamente para a floresta, só que desta vez os irmãos só conseguiram deixar como pista, para voltar de novo a casa, migalhas de um pão. Mas os pássaros da floresta comeram tudo e eles ficaram realmente perdidos. Ao vaguearem pela floresta encontraram uma casa feita de chocolates e doces e foram convidados por uma velhinha a entrarem. Mas afinal era uma bruxa que os havia enganado. Foram presos e eram alimentados para ficarem gordinhos e serem depois comidos. Mas com a sua esperteza conseguem enganá-la e acabam por conseguir escapar da casa.
Aqui temos dois irmãos que apesar das dificuldades que foram enfrentando conseguiram explorar recursos e pensar em soluções para conseguirem sobreviver. É sabido que ao longo da vida as pessoas passam por uma variedade de experiências, desafios, dificuldades, algumas consideradas positivas outras negativas, muitas inesperadas e outras traumáticas. São confrontados com as adversidades e resistem a estas, porque existe a capacidade de as enfrentar com os recursos existentes. É frequente perguntar o que é que diferencia a forma como as pessoas reagem aos diferentes eventos da vida, para uns resultam em trauma ou numa grande dificuldade de superar, enquanto outras pessoas reagem de forma positiva ou adaptativa. Será que uns possuem forças e capacidades que potenciam a transformação e integração de uma situação e outros não? Afinal de que se trata isto a que chamamos de resiliência psicológica?
Numa revisão do constructo de resiliência feito pelos psicólogos Fletcher & Sarkar, e apesar de este ser influenciado pelos contextos socioculturais e históricos das populações estudadas, as definições encontradas giram à volta de dois conceitos centrais: a adversidade e a adaptação positiva. A adversidade inclui circunstâncias de vida negativas que são conhecidas por estarem associadas a dificuldades de ajustamento. Alguns autores associam-na a uma ideia de risco, outros, com privação e sofrimento combinado com dificuldades, desgraças ou traumas.
É importante referir que não são só os eventos traumáticos ou negativos que podem influenciar ou potenciar a resiliência mas os acontecimentos positivos do dia-a-dia, como por exemplo, promoção no trabalho onde é necessário haver uma adaptação positiva às novas exigências do papel, ou no caso de recém-casados onde é necessário demonstrarem uma série de recursos relacionais de forma a gerir certas pressões conjugais.
A adaptação positiva diz respeito às competências sociais manifestadas. Quando falamos assim em resiliência psicológica, consideramos que o antecedente desta é então a adversidade encontrada e a consequência, a adaptação positiva.
Alguns autores falam ainda que a resiliência é tanto considerada um traço ou um processo. Um traço porque representa uma série de características individuais que uma pessoa necessita para se conseguir adaptar às circunstâncias que vai encontrando na sua vida, como agilidade, força de carácter, flexibilidade funcional na resposta às diversas exigências. Ou seja, uma série de factores protectores, entre eles, energia, optimismo, curiosidade e a habilidade para desmontar e conceptualizar os problemas, assim como, robustez, emoções positivas, extroversão, auto-eficácia, espiritualidade, auto-estima, e influência positiva. Quando falamos então em resiliência psicológica, estes factores protectores tem um papel positivo, porque são as diferenças individuais na resposta ao stress e à adversidade que a promovem. Apesar de ser considerada por muitos uma característica da personalidade é importante referir que a resiliência não é algo estático mas sim um processo dinâmico que muda com o tempo. Isso irá depender da situação, das circunstâncias encontradas, da altura da vida. Ou seja, uma pessoa pode reagir de uma forma positiva numa altura da sua vida mas isso não quer dizer que reagirá da mesma forma aos eventos stressantes numa outra altura.
A interacção das pessoas com os seus ambientes é também importante de considerar quando conceptualizamos a resiliência. Esta resulta de uma adaptação dos sistemas básicos humanos, influenciando a forma como um dado evento é avaliado. Em suma, considera-se que a resiliência psicológica protege a pessoa dos potenciais efeitos negativos dos eventos stressantes ou traumáticos.
De forma a adquirir estratégias para fortalecer a sua resiliência, é útil ter em conta:
– Resiliência significa então aceitar que todas as coisas são temporárias, a ideia de que algo na vida é eterno faz com que nos sintamos bloqueados. A mudança é um processo que ocorre no decorrer da vida e por vezes é preciso colocá-la em perspectiva. É necessário não a combater, porque cria frustração e desespero.
– Ser mais auto-consciente. Quando se iniciam tarefas e a experiência é positiva, acaba-se por se ver como eficiente, ou seja, a pessoa consegue fazer aquilo a que se propôs. Ao compreender melhor as suas forças e fraquezas, quando uma tarefa difícil aparece ou se for surpreendido por um evento stressor, irá ter mais facilidade em colocar essa situação em perspectiva. É importante confiar naquilo que já conhece em si e não permitir que a dúvida se apodere e destrua a sua capacidade de tentar e arriscar. Aprender a tornar-se mais auto-eficiente e auto-consciente permite com que haja uma construção realística daquilo que faz.
– É importante desenvolver a capacidade para lidar com momentos adversos. Ao passar por esses momentos, constrói uma capa protectora que permite que acabe por experienciar menos stress e menos dificuldades ao lidar com situações futuras. Lembre-se que evitar o stress diminui a capacidade de lidar com o que lhe acontece, por isso tente gradualmente enfrentar situações mais desafiantes.
– As relações sociais sãos “amortecedores”, uma escuta activa ajuda a tornar uma pessoa mais resiliente. Saber pedir ajuda num período difícil permite fortalecer a sua capacidade de resiliência. A rede social é um apoio fundamental, seja através dos amigos, grupos específicos, etc.
– Delinear objectivos ajuda a que haja um movimento daquilo em que se pensa para algo mais concreto e exequível, assim como o entendimento dos problemas. Praticamente todos os problemas tem soluções, o importante é pensar de forma criativa “fora da caixa”. Tudo o que pretendemos alcançar pressupõe energia, motivação e esforço. E tudo isso faz com que a nossa capacidade de enfrentar situações se torne mais resistente.
Recorde-se então da história dos irmãos Hensel e Gretel que não permitiram que os eventos os paralisassem, acreditaram um no outro e nas suas capacidades, arranjaram soluções para ultrapassar os obstáculos, e não se deixaram vencer pelos eventos da “vida”.
Ana Beirão, Psicóloga Clínica da Oficina de Psicologia
Fontes:
Fletcher, D. & Sarkar M. (2013). Psychological Resilience – A Review and Critique of Definitions, Concepts, and Theory. European Psychologist 2013; Vol. 18 (1): 12-23.
PsychCentral
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