Vou ser vegetariano. E agora?
As dietas vegetarianas têm cada vez mais adeptos. Mas se está a pensar fazer uma mudança radical no seu regime alimentar, é importante saber que há alguns cuidados a ter. Veja o que deve ter em atenção e como fazer uma transição correta.
O vegetarianismo é um tema que desperta acesas discussões, geralmente com algum excesso de “certezas” de parte a parte. Mas independentemente do que cada um possa pensar sobre o assunto, o importante é que se tomem opções informadas.
A primeira ideia a ter em conta é que este é um processo que deve ser feito de forma evolutiva. Deixar, de um dia para outro, de comer carne, peixe e por vezes até qualquer produto de origem animal, é o tipo de opção que pode correr mal. Como nos explica a nutricionista Ana Carolina Soares, “como em outras alterações de hábitos e estilos de vida, para que os novos hábitos se tornem efetivos e bem consolidados é muitas vezes importante uma transição gradual“.
Esta transição não tem um tempo definido. Pode durar semanas, pode durar meses, o que for necessário. Posto de forma clara: “depende de pessoa para pessoa e de como estiver a correr a adaptação”, explica a nutricionista. A idade da pessoa, os hábitos que tem, inclusive a sua personalidade, tudo terá de ser tido em conta neste processo de mudança.
Quem decide adotar um regime vegetariano percebe rapidamente que os desafios se vão sentir muito antes de trincar a comida. No supermercado, no jantar com colegas de trabalho ou na pastelaria onde se vai tomar o pequeno-almoço, é natural que haja dúvidas e é bom que essas dúvidas sejam devidamente esclarecidas. Ser autodidata, geralmente, não tem de ser uma coisa má.
Mas sê-lo num regime que pode interferir com o nosso bem-estar não é de todo o caminho correto. “Cortes radicais de determinados grupos alimentares (…) podem resultar em desnutrição, quer a nível proteico, quer a nível mineral e vitamínico”, alerta Ana Carolina Soares. O resultado pode ser desastroso: ser obrigado a abdicar de uma dieta vegetariana, ainda antes de saber como seria uma dieta vegetariana de verdade (leia-se, saudável).
Inês Pombal é nutricionista e vegetariana. Fez a opção na sua própria vida e tem ajudado outras pessoas a seguirem este mesmo caminho pelo trilho mais seguro. Na sua perspetiva, este período de transição “deve ser acompanhado, para que haja ajuda guiada na aquisição de conhecimento sobre o regime, o que vai ajudar quer a lidar com as alterações do próprio corpo, quer com as que vão ocorrendo na própria vida, que altera inevitavelmente”.
O que vai mudar ao se tornar vegetariana(o)?
A carne e o peixe são naturalmente as opções que vão acabar por cair em qualquer regime vegetariano – e há vários, mas já lá vamos.
Do ponto de vista nutricional, a carne e o peixe são uma “fonte muito nobre de proteínas de alto valor biológico, que há que saber compensar”, explica-nos Ana Carolina Soares. Os ovos são uma opção viável, já que também eles são proteínas de elevado valor biológico. Mas nem toda gente se mantém naquilo a que se chama um regime ovo-lato-vegetariano – que além de ovos inclui lacticínios.
Alguns vegetarianos optam por “consumir produtos de origem animal em muito pouca quantidade ou mesmo nenhuma”, como é o caso do regime vegan, refere Inês Pombal. Geralmente, explica-nos a nutricionista, estas pequenas variações entre estes regimes traduzem grandes alterações ao nível de crenças.
Não é de todo incomum que alguém que comece por simplesmente abdicar de carne e peixe, acabe por ao longo do tempo aproximar-se de um regime vegan. Em qualquer dos casos, o que se quer é que não haja desequilíbrios nutricionais em qualquer destas etapas de transição.
Combinações de leguminosas e cereais (feijão com arroz ou massa com grão, por exemplo) são escolhas úteis e bastante práticas. Há não muitos anos, um jantar entre colegas poderia ser um desafio tremendo para um vegetariano. Restaurantes vegetarianos (e opções vegetarianas em restaurantes comuns) escasseavam. E muitas vezes eram opções deste género, que no regime omnívoro tratamos comummente como “acompanhamentos”, que muitas vezes salvariam o vegetariano de uma refeição pouco satisfatória.
Mas não se pense que o vegetariano estava simplesmente condenado a ter menos opções. O tofu e a soja, por exemplo, ganharam inclusive adeptos entre omnívoros – muito por culpa da necessidade de ser criativo (e neste mundo da culinária, convém nunca menosprezar a criatividade do ser humano).
A soja, em particular, é uma fonte vegetal com alto valor biológico. Toma certamente parte em qualquer regime vegetariano e não é por acaso – além de apreciada possui valor nutricional e será certamente uma aliada na hora de evitar desequilíbrios nutricionais. Mas há mais opções a ter em conta.
A nutricionista Inês Pombal dá-nos mais uma série de alternativas que, mesmo não sendo substitutos da carne e do peixe, são alimentos que do ponto de vista nutricional vão ajudar a completar um regime vegetariano: as sementes (que incluem várias opções, como sésamo, linhaça, chia, abóbora, girassol, entre outras), as oleaginosas (amêndoas, avelãs, pinhões, nozes, entre outros frutos secos), a levedura de cerveja, algas (spirulina, clorella, nori) e o gérmen de trigo.
A ter em conta
A anemia é um dos riscos de saúde para quem não faz a transição corretamente. Ambas as nutricionistas concordam que a biodisponibilidade do ferro é maior na carne e no peixe. As anemias podem ser causadas por deficiência de vários nutrientes como ferro, zinco, vitamina B12 e proteínas. Mas a carência de ferro é mesmo a causa principal de cerca de 90 por cento das anemias. Convém, como tal, estar atento a alguns possíveis sintomas, como uma fadiga generalizada e alguma palidez de pele. Mais uma vez, há que saber compensar para evitar riscos.
Num regime vegetariano puro (vegan, como falámos acima), “podem observar-se algumas carências, nomeadamente de vitamina B12 e D, entre outros, que poderão exigir suplementação”, alerta Inês Pombal. Por essa razão, é muito importante que não só a transição seja acompanhada, como ao longo do tempo se vá fazendo uma avaliação (anualmente, sugere a nutricionista) para se garantir que qualquer desequilíbrio, caso aconteça, seja detetado e corrigido cedo.
Como vimos, embora o processo requeira alguns cuidados, é possível fazer esta transição. Se está mesmo a pensar tornar-se vegetariano, prepare-se também para alguma resistência por parte de amigos e familiares. Tendo em conta as discussões acesas que o vegetarianismo envolve, não estranhemos sequer que venha a participar em alguma. A este propósito, damos-lhe um conselho da nutricionista Inês Pombal, que serve para estes momentos, mas também para todo o processo de transição: “o conhecimento e a paciência são as melhores ferramentas”.
A verdade é que quem adota um regime vegetariano, fá-lo por razões que vão além da nutrição. Não estranhamos por isso que o bem-estar que a pessoa sinta se deva não só à dieta saudável, mas também porque a pessoa se sinta mais identificada com o estilo de vida que adotou. É tudo uma questão de escolhas. O importante é que sejam bem informadas.
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